Artigo – 2ª Publicação

 

DESTAQUE ARQUITETURA!
DESTAQUE ARQUITETURA!

ARQUITETURA COMO ARTE A PERCEPÇÃO DO ESPAÇO CONSTRUÍDO DA ESCOLA ESTADUAL GONÇALVES DIAS, DE SEVERIANO MÁRIO PORTO

Claudia Helena Campos Nascimento
Dener Briglia Piaia

A RELAÇÃO ENTRE ARQUITETURA E ARTE AO LONGO DO TEMPO

A evolução humana é envolta por uma miríade de processos construtivos e cognitivos que paulatinamente desenvolvem e moldam o cenário que cerca a todos nós. Ao analisar o desenvolvimento humano desde o período pré-histórico até os dias atuais, é possível acompanhar a história através dos artefatos desenvolvidos pelo homem, os quais são produzidos como resposta direta e prática de um padrão comportamental e moldado por uma cultura específica.

Analisando os primórdios da humanidade, é importante destacar a existência das pinturas rupestres. A criação dessas imagens estava diretamente relacionada à crença dos homens das cavernas de que tudo o que era retratado nas paredes de seus abrigos, aconteceria de fato com os animais reais, facilitando, assim, na empreitada real. Tal como explica Gombrich:

A explicação mais provável para essas pinturas rupestres ainda é a de que se trata das mais antigas relíquias da crença universal no poder produzido pelas imagens; dito em outras palavras, parece que esses caçadores primitivos imaginavam que, se fizessem uma imagem de sua presa – e até as spicaçassem com suas lanças e machados de pedra -, os animais verdadeiros também sucumbiriam ao seu poder. (GOMBRICH, 1995, p. 42).

A construção da Arte, entendida como historiografia, também se aproxima do conceito da própria Arte como fazer: que se projeta como ideia ou se lança como projeto de uma interpretação ou ideário. Ao desenhar caças, o homem primitivo impunha o desejo, isso é, projetava o ato de caçar e suas consequências. Arte e Arquitetura se aproximam, portanto, desde então, não apenas como suporte de uma para a outra, mas como princípio de projeto, literalmente dito, ao lançar ao futuro ou registrar o presente.

Avançando para o século IV a.C, destaca-se a produção Grega, que era também profundamente arraigada para fins ritualísticos. Quase que em toda sua totalidade, o produto artístico do povo grego durante seu apogeu se baseou em objetos que representavam cenas mitológicas, ou personalidades políticas, esculpidas para a adoração de seus súditos e por sentimento narcisista de seus próprios donos e retratados. As obras desse período foram desenvolvidas principalmente para a ornamentação de templos e palácios privados dos grandes imperadores a fim de alardear sua magnitude perante a população.

A racionalidade dos princípios clássicos, que também induzirá os processos de produção dos espaços, vai se constituir como marco identitário que fundamentará a cultura ocidental, como um todo. Esse princípio de ordenamento, traduzido no racionalismo, será retomado no Renascimento, sendo ciclicamente reconduzido como valor qualitativo, na História da Arte, em oposição ao experimentalismo e à exacerbação de determinados movimentos. O pensamento clássico, que fundamentou o racionalismo, será o contraponto à desordem ao longo da História da Arquitetura, como na Teoria da Pura Visualidade, de Heinrich Wölfflin, desenvolvido no século XIX. O teórico destaca que “Toda a obra de arte é um sistema de formas, um organismo. A sua característica essencial é constituída pelo carácter da necessidade, no sentido de que nada pode ser alterado ou deslocado, mas tudo deve permanecer como é” (WÖLFFLIN, 1989, p. 34).

Contemporaneamente às construções teóricas, as invenções técnicas surgem, trazendo novas inquietações conceituais. Foi com o advento da fotografia, em meados do século XIX, que essa correlação inseparável da obra de arte com sua função e poética passou a ser desmembrado. Com a Revolução Industrial e o surgimento da máquina fotográfica, houve uma ruptura bruta na produção artística, ao tornar-se possível capturar em segundos o retrato de um rei que um pintor levaria semanas para reproduzir.

Gombrich explica que:

O surgimento da máquina fotográfica portátil e do instantâneo ocorreu durante os mesmos anos que presenciaram a ascensão da pintura impressionista. […] Não havia necessidade de a pintura executar a tarefa que um dispositivo mecânico podia realizar melhor e mais barato. […] Por causa disso, os artistas viram-se cada vez mais compelidos a explorar regiões onde a máquina não podia substituí-los. De fato, a arte moderna dificilmente se converteria no que é sem o impacto da invenção da fotografia. (GOMBRICH, 1950, p. 524).

O surgimento da fotografia permitiu o desprendimento da reprodução fiel em favor do impressionismo, no seu significado mais básico. O objetivo era, mas do que capturar a forma, reproduzir o espírito e a atmosfera do que estava sendo capturado. Nesse contexto, com o passar do tempo, a arte chegou a um ponto tal de negação de sua formação básica e atingiu um núcleo tão profundo de negação corpórea que se diluiu em produto. Atualmente, por exemplo, não é mais necessária uma orquestra para se ouvir uma sinfonia de Beethoven, ou comprar passagens para apreciar a Mona Lisa em Paris.
Benjamin explica essa situação quando diz:

Mesmo na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e o agora da obra de arte, sua existência única, no lugar em que ela se encontra. É nessa existência única, e somente nela, que se desdobra a história da obra. Essa história compreende não apenas as transformações que ela sofreu com a passagem do tempo, em sua estrutura física, como as relações de propriedade em que ela ingressou.  Os vestígios das primeiras só podem ser investigados por análises químicas ou físicas, irrealizáveis na reprodução; os vestígios das segundas são o objeto de uma tradição, cuja reconstituição precisa partir do lugar em que se achava o original. (BENJAMIN, 1994, p. 167).

A reprodutibilidade técnica de Benjamim vai apontar também para o papel da apreciação da arquitetura moderna e sua modulação e reprodutibilidade como passíveis de compreensão de valor estético-artístico. O afastamento do objeto artístico de sua característica humana é onde também recai a problemática da produção arquitetônica. Esta área é moldada segundo incontáveis fatores exclusivos a ela que influenciam diretamente em seu resultado final: tal como contexto cultural e socioeconômico, localização geográfica e conforto ambiental e, principalmente, o espaço. Pensar esses parâmetros sem considerar as necessidades humanas é relegar a arquitetura ao âmbito puramente escultórico, desvalorizando sua característica primordial.

Por tudo isso, é importante ressaltar que a complexidade da análise arquitetônica se dá exatamente devido à sequência de algumas dualidades nas quais se baseiam. A Arquitetura-Projeto, concepção artística, se complementa na Arquitetura-Construção que, por sua vez, é percebida sua concepção que precisa ser observada como um todo, isso é, a Arquitetura-Percepção. Arquitetura não existe sem forma, assim como também não existe sem função e os pormenores dessas áreas que influenciam no subconsciente do homem é o que caracteriza a sutileza sobre a qual atua a Arquitetura. Definida a importância da concepção dos espaços para a relevância da arquitetura, é possível notar as maneiras pelas quais o usuário percebe.

Ao longo dos anos e do desenvolvimento tecnológico à disposição da arquitetura, foram diversos os efeitos criados pelo espaço sobre a percepção de seus usuários. A arquitetura modernista, por exemplo, defende as linhas simples e a ausência de adorno. Acredita-se que a simplicidade da forma e a maior extensão do vão livre objetivavam colocar a vivência social em destaque e desenvolver as relações interpessoais dentro da construção. A arquitetura gótica, por outro lado, desenvolveu as grandes basílicas com tetos altíssimos criando espaços opressores que incutiam no usuário a percepção de sua própria insignificância diante da presença divina.

 

FIRMITAS, UTILITAS ET VENUSTAS

Com o objetivo de demostrar as formas pelas quais a arquitetura, como expressão artística, consegue modelar a forma como o usuário experimenta o espaço, fez-se necessário um estudo de caso. Para tanto, selecionou-se a escola estadual de ensino médio Gonçalves Dias, cujo projeto é de autoria do arquiteto brasileiro Severiano Mário Porto.

A instituição localiza-se em Boa Vista – RR, Brasil, na avenida Getúlio Vargas, 4333, no bairro Canarinho, entre a Faculdade Roraimense de Ensino Superior (FARES) e o Colégio Militar Estadual de Roraima, Cel. Derly Luiz Vieira Borges (CME-PMRR), antiga Escola de Formação de Professores; fica fronteiro ao ginásio poliesportivo Hélio da Costa Campos.

Localização da Escola Gonçalves Dias.
Localização da Escola Gonçalves Dias.

A proposta de criação da escola foi aprovada em 12 de março de 1977; no entanto, o projeto arquitetônico foi elaborado nos três anos anteriores a esse, de 1976 a 1978, segundo informações localizadas nas pranchas de execução da obra, coletadas na Secretaria de Infraestrutura do Estado de Roraima (SEINF). Entre os anos 2010 e 2012 ocorreu reforma nas dependências da instituição, que gerou acréscimos significativos na área útil e intervenções em aspectos como climatização mecânica e alteração de cobertura (BORGES, 2016).

 

ANÁLISES FORMAIS DO PROJETO

Ao analisar as pranchas, é possível fazer a comparação do projeto original (primeira imagem) com a planta atual de prédio (segunda imagem), com destaque para os acréscimos volumétricos. Esses documentos esclarecem a relação existente entre os espaços originais e aqueles criados após a reforma dos anos posteriores, que são: a área do refeitório, na porção lateral inferior direita da planta; o prolongamento do bloco de sala de aula da esquerda; além do acréscimo de um quarto braço, a direita, na parte posterior do edifício. A ampliação dos blocos de sala de aula, todavia, seguiu a linguagem dos blocos existentes, tanto em planta quanto em composição estética (PIAIA, 2017).

Planta Baixa Original - Fonte: PIAIA, 2017.
Planta Baixa Original – Fonte: PIAIA, 2017.

Em se tratando de partido arquitetônico, há alguns pontos extremamente relevantes e que destacam com veemência a particularidade dessa edifi cação enquanto prédio público de ensino. A horizontalidade da obra é sua característica mais evidente, tanto nas linhas físicas, que compõem a fachada e as diversas volumetrias que compões seu todo, quanto na ligação visual existente em torno de toda a escola. Uma vez transpassada a porta principal de entrada, uma conexão visual é feita com praticamente todo o restante da edificação. Esse aspecto garante uma percepção ainda mais térrea e repousada no terreno, que gera uma sensação de segurança e conforto, derivada do fato de se ter sob observação todos os pontos da escola.

O segundo fator mais importante é sua conexão evidente com espaços verdes. Toda essa conexão visual entre os blocos que formam a instituição é permeada por vislumbres de vegetação através de cobogós e venezianas, composta por árvores e arbustos. Essa ligação com o exterior permite um senso de amplitude e desprendimento que é incomum encontrar em outras escolas públicas de região e, apesar da falta de manutenção ter gerado um predomínio de mato e ervas daninhas, esta ligação entre o interno e o externo ainda predomina de forma exitosa e agradável.

 

ANÁLISES SENSORIAIS DO EDIFÍCIO

A permeabilidade visual dos muros delimitadores da escola é mais um elemento importante na concepção arquitetônica da instituição. A divisão, entre a área delimitadora do espaço interno da escola e o terreno externo, se dá através de um muro baixo, formado pela sobreposição de cobogós retangulares de concreto. Essa alternativa evidencia uma delimitação suave entre as áreas internas e externas da construção. O olhar do observador transpõe o piso interno cerâmico da escola, percorre os jardins internos e extravasa os muros se perdendo no verde do terreno que a circunda. Esse efeito amplia a sensação de liberdade e de desprendimento físico da escola com relação aos limites físicos impostos aos seus usuários.

Concomitante a isso, a vedação frontal da escola se dá com grade metálica e não com muro de alvenaria. Essa decisão garante uma visibilidade com a vida que se passa fora dos muros da escola e permite um senso de passagem do tempo e ligação com o mundo exterior, sem criar, todavia, a sensação opressora de isolamento comportamental, que direciona o foco do usuário ao cumprimento das obrigações acadêmicas.

De modo geral, é a ligação do interno com o externo e o uso de painéis em relevos tridimensionais e de elementos vazados que garantem a particularidade da essência de sua arquitetura.

A impressão inicial que se tem da escola, quando vista da rua, é que o prédio é menor do que realmente é. Por se localizar próximo ao rio, o terreno é escalonado e vai perdendo níveis conforme avança para os fundos; por essa razão, a fachada principal da escola se restringe a linhas horizontais retas, formando um bloco

horizontal sobre o terreno, que esconde os diferentes blocos que compõem a instituição. A grade frontal de delimitação da escola garante a total visibilidade da fachada, cujas linhas horizontais são corroboradas pela disposição das janelas de madeira com vidro e pela bandeira veneziana em toda a sua extensão.

Ao adentrar nas dependências da escola é perceptível a forma como ela é abraçada pelo verde que circunda o terreno. Logo à entrada, surge como elemento de relevante surpresa um jardim interno que garante um assento em L contínuo ao lado de árvores e arbustos, além de uma escadaria que leva a um pátio descoberto repleto de verde, apesar de, infelizmente, em sua maioria estar tomado pelo mato.

Logo em frente à entrada principal, há uma parede de cobogós e um painel tridimensional, formado por peças iguais, mas dispostas de diferentes formas, criando uma composição geométrica em preto e branco, a qual garante um ponto focal de contraste com o restante das cores da escola e dá boas-vindas ao olhar de todos que entram na escola. Sua dimensão totalizando o vão entre o piso e a laje confere uma imponência à escultura, que predomina sob os demais aspectos físicos desse pátio.

Continuando com a visita, percebe-se que a integração com a natureza se repete ao longo de todo o prédio. Formado por quatro braços individuais que se dispõem paralelamente ao pátio central, esses volumes, formados por salas de aula, são intercalados por vazios construtivos, os quais são preenchidos por árvores frutíferas e por arbustos variados. Esses vazios são vislumbrados por toda a escola graças à instalação de cobogós retangulares de concreto que atuam como divisores da circulação da sala de aula dos jardins do entorno. A sobreposição dos blocos vazados de forma simples cria uma trama interessante que se assemelha a uma estampa geométrica.

Vista do pátio, com destaque aos painéis - Fonte: PIAIA, 2016
Vista do pátio, com destaque aos painéis – Fonte: PIAIA, 2016

 

Corredores, esquadrias e painéis de cobogós - Fonte: PIAIA, 2016.
Corredores, esquadrias e painéis de cobogós – Fonte: PIAIA, 2016.

Assim como na fachada, os volumes que compõem as salas de aula também se caracterizam pela horizontalidade. A partir da circulação principal, é possível a observação desses volumes horizontais, que hora se estendem sobre o terreno, com os elementos vazados (quando observados da parte mais alta para a mais baixa do terreno), ora com um ritmo constante de pilares robustos, intercalados por janelas de madeira com vedação de vidro e bandeira veneziana dispostas em fita (quando observados do nível mais baixo para o mais alto).

Aspecto geral do pátio, com sala de professores ao fundo - Fonte: PIAIA, 2016.
Aspecto geral do pátio, com sala de professores ao fundo – Fonte: PIAIA, 2016.

A horizontalidade de linhas da Escola Gonçalves Dias é quebrada apenas pelo volume da sala dos professores. Localizada na área à esquerda do pátio central, a volumetria hexagonal com face frontal de vidro desse cômodo quebra o ritmo de linhas paralelas e ortogonais, criando um elemento de interesse visual no centro da instituição.

 

ANÁLISES COMPORTAMENTAIS SOBRE A OBRA ARQUITETÔNICA

Para desenvolver a análise técnica da obra arquitetônica e sua influência sobre o usuário, desenvolveu-se, ao longo de uma semana, 4 abordagens práticas para a análise do objeto de estudo:

    • Análise pessoal do espaço;
    • Análise comportamental por observação;
    • Mapa Axial;
    • Entrevistas.

Num primeiro momento foi feito o reconhecimento das dependências da escola com base exclusiva na percepção do pesquisador como usuário e como explorador de um espaço desconhecido. Para tanto, foi utilizada a metodologia da pesquisa participante, seguido de registro, feito por meio de um levantamento fotográfico como material de apoio acerca dos elementos que se destacaram durante a exploração e os pontos interessantes na construção sob um ponto de vista pessoal, que foram registrados como memorial do processo (GÜNTHER et al., 2004).

Em seguida, utilizou-se a técnica apontada por Jan Gehl e Svare (2000), de forma adaptada, a fim de obter informações acerca da forma de apropriação do espaço construído pelos usuários. Os autores apontam como metodologia o desenvolvimento de uma agenda de observação comportamental em horários-chave para se colher as formas que o usuário interage com o espaço construído em diferentes períodos do dia. Na Escola Gonçalves Dias foram analisados os períodos de intervalos entre as aulas devido ao maior fluxo de pessoas nos espaços.

Baseado nessa mesma referência desenvolveu-se ao longo de três dias um mapeamento do fluxograma da escola e das áreas utilizadas como assento. Durante 15 minutos, entre as 15 h 30 min e as 15 h 45 min, nos dias 22, 23 e 24 de novembro de 2016, com o auxílio de uma impressão da planta baixa atualizada do prédio, realizou-se a marcação dos pontos escolhidos como área de socialização/assento e traçou-se os caminhos feitos pelos usuários para o deslocamento entre os ambientes (PIAIA, 2017).

A terceira fase desenvolveu-se a partir de um método de estudo apresentado por Patricia O. Andreane, Eric O. J. Rosas e Cesáreo E. Rodriguez no Capítulo V do livro intitulado Psicologia Ambiental (GÜNTHER et al., 2004). Esse método consiste no levantamento de informações acerca do fluxograma do espaço e sobre o quanto os usuários são capazes de localizar-se no ambiente a ser analisado.

Por fim, foram realizadas entrevistas. Essa etapa foi feita aleatoriamente com usuários de diferentes idades e funções variadas dentro das dependências da escola, com o fim de colher informações acerca das suas respostas pessoais ao ambiente construído. Ao total, foram feitas 24 entrevistas.

Ao colher os dados da pesquisa e analisar a planta alterada, após a reforma de 2012, conforme apresentado posteriormente, constatou-se a direta relação entre os novos espaços e as deficiências da arquitetura apontadas pelas análises técnicas. Entre elas destacam-se:

    • O novo bloco de refeitório possui um acesso estreito, escuro e desconfortável em completa incongruência com o partido arquitetônico integrado e amplo, desenvolvido por Severiano.,
    • A extensão do bloco central de salas de aula criou uma circulação muito longa e desconfortável. Apesar de respeitar a identidade visual do projeto, criou um ambiente batizado pelos alunos como “corredor da morte” devido à sua longa e monótona extensão.
    • O quarto bloco de salas de aula, apesar de respeitar a estrutura do prédio e a linguagem arquitetônica, mostrou-se, em análise de mapa axial, um ponto de tomada de decisão confuso, que compromete a compreensão espacial do ambiente construído como um todo.

Em conclusão: a identidade arquitetônica da escola Gonçalves Dias, de forma geral, foi preservada, mas sua característica ideológica foi deixada em segundo plano. É quase imperceptível a diferença volumétrica entre a edificação original da escola, em relação aos acréscimos mais recentes; porém, a extensão extra de corredores e os acréscimos de ambientes que foram desenvolvidos sem levar em consideração as características subjetivas da obra arquitetônica de Severiano é que se tornam responsáveis pelos pontos ineficientes e problemáticos da obra nos dias atuais. Severiano é reconhecido pela integração de seus projetos com as áreas verdes e sua adequação aos fatores climáticos da região norte. Apesar de superficialmente isso ter sido levado em consideração, a um nível mais subjetivo, no qual a eficácia da influência sobre o usuário de fato ocorre, essas alterações foram insuficientes.

Sob esse ponto de vista mais interiorizado das características dessa obra do artista, algumas alternativas poderiam ter sido tomadas para garantir uma maior coerência com o contexto.

A área do refeitório poderia ter sido mais amplamente incluída no contexto externo da escola. Se estendido este ambiente ao alinhamento dos volumes do lado direito da instituição, além de aumentar a área de uso que hoje é insuficiente, garantiria uma maior conexão desse espaço com o jardim externo. Com isso, poderiam ser criados dois tipos diferentes de ambientes, um coberto e um aberto, garantindo uma total relação entre ambientes internos/externos, tal como todo o restante da escola, além de fornecer um espaço mais aconchegante e confortável para os usuários.

Quanto à grande extensão do segundo corredor de salas de aula, uma quebra em sua volumetria garantiria sua adequação. Entre o pátio principal e este corredor possui um pátio aberto que claramente foi desenvolvido para ser usado como um pátio externo. Esta área já possui pavimentação e uma escada que leva àquele grande corredor. A abertura de um vão no meio dessa grande parede de cobogós, garantindo a ligação dessa circulação com esse espaço intermediário e aberto quebraria a extensão excessiva criada no corredor e garantiria sua conexão com a área externa, possivelmente reavivando e criando uso a um espaço que hoje não é utilizado.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se a arquitetura é resultado de sinapses entre ideias e abordagens pré desenvolvidas, é imprescindível aprender a lê-la com clareza. Interiorizar padrões volumétricos e partidos conceituais sem apreender a complexidade arquitetônica que caracteriza uma obra do campo Artístico é garantir a perpetuação de uma arquitetura rasa e sem personalidade, que pouco faz pelo homem além de tentar ser bonita ou funcional.

Através de leituras profundas e subjetivas é que se garante uma intervenção positiva e eficiente em um projeto arquitetônico. O mais importante de tudo é saber conciliar o olhar prático e o olhar sentimental. Talvez seja exatamente aí que se transpunha o limite entre a construção e arquitetura. Aquela seria o percurso mais rápido entre dois pontos, enquanto que a arquitetura seria todas as curvas e surpresas criadas pelo caminho para tornar esse percurso mais agradável.

Avaliando a sensibilidade de resposta a todas essas variantes é que a construção civil desenvolve sua poesia e seu lirismo e passa, então, a contar sua história e se torna arquitetura. Essa, possivelmente, é a principal causa da desvalorização da arquitetura dentro do campo da construção civil. Qualquer usuário que entre em um espaço construído consegue atribuir a presença de vigas e colunas ao trabalho do engenheiro em proporcionar segurança e estabilidade àquele edifício. A influência arquitetônica, porém, se manifesta em níveis muito mais profundos do subconsciente do usuário através de uma sensação de amplitude, conforto e deslumbramento que dificilmente extravasa o interior e se expressa em palavras e reconhecimento.

Coelho Netto explica esse fenômeno quando diz que:

se o espaço mantém um relacionamento direto com o corpo do indivíduo adquirindo em consequência uma significação precisa, ele alimenta igualmente uma ligação não menos direta com o imaginário desse indivíduo, através do qual esse espaço se semantiza de modo frequentemente de todo diverso do que ocorre no primeiro caso, e de modo nem sempre definido, distinto (já que nesse caso a semantização se opera particularmente ao nível do subconsciente ou mesmo do inconsciente) porém não menos certo e determinável. (COELHO NETTO, 2014, p. 118).

A influência psicológica que um projeto arquitetônico bem desenvolvido tem sobre as relações interpessoais e a capacidade de ajudar a influenciar positivamente na sociedade. Mara Campos-de-Carvalho registra que:

aspectos físicos ambientais, tanto quanto aspectos sociais, influenciam o desenvolvimento humano, pois os processos de desenvolvimento ocorrem através de interações entre pessoa e seu ambiente, este incluindo aspectos físicos, sociais, culturais, econômicos, políticos etc. (CAMPOS-DE-CARVALHO, in GÜNTHER et al., 2004, p. 182).

No mesmo livro, Marcos Ribeiro Ferreira esclarece, por fim, a maneira pela qual o meio influencia no desenvolvimento humano através da relação sadia entre o usuário e a habitação. Nesse contexto, aponta o período do pós-guerra no qual foi evidenciada a importância dessa relação de simbiose de interesses e explica que:

No âmbito da Psicologia Ambiental, a preocupação com o planejamento de ambientes construídos aparece com ênfase na busca de compatibilidade entre as características das edificações e os fins a que elas seriam dedicadas. […] Os primeiros estudos visaram estabelecer quais características das edificações poderiam ser mais favoráveis ao processo terapêutico a que as pessoas seriam submetidas. O responsável por sua introdução e institucionalização foi enfático em frisar que suas preocupações iam muito além de produzir projetos arquitetônicos. Para ele, o papel da Psicologia ao se envolver com esse tipo de problema era nada menos do que contribuir para a produção de dignidade humana (FERREIRA, in GÜNTHER et al.,2004, p. 24).

Por tudo isso, percebe-se o impacto positivo que uma obra de arquitetura bem desenvolvida, como a de Severiano Mário Porto, tem sobre o usuário. Através das entrevistas feitas com os alunos, uma fala recorrente era a de que a escola Gonçalves Dias era a “[…] única escola pública de Boa Vista que não se parece com um presídio”. A percepção do arquiteto de fazer uma obra de arquitetura, que seja ao mesmo tempo funcional e eficiente, mas que dialoga com os alunos de forma a construir um espaço que lhes abre os horizontes visuais, exemplifica a capacidade de se usufruir de técnicas simples, mas que são capazes de influenciar também nos horizontes psicológicos daqueles que a utilizam.

É necessário, portanto, abrir-se sensorialmente a uma obra arquitetônica, saber ouvir o que sussurra suas paredes e identificar de que forma seu corpo guia esse diálogo. É através dessas conversas entre obras e usuários que a história das civilizações vai sendo narrada.

Coelho Netto explica a relação tortuosa do processo de percepção arquitetônica ao fazer a conexão entre o fantástico e o real. Ele pontua que o imaginário “ não pode ser descrito como fantasia, alucinação, mas como o universo de um modo de relacionamento da consciência individual com objetos reais ou virtuais.” (NETTO, 2014). Define-se, então, a relação do usuário com a arquitetura no que se refere à percepção inconsciente daquele espaço. O ambiente construído, aqui nomeado de objeto real, atua diretamente sobre o imaginário criando, assim, respostas específicas a diferentes estímulos aos quais o usuário se submete interpretando-as sob a ótica particular de sua bagagem cultural e percepção de mundo.

Partindo desse princípio para a percepção das formas de arte intrínsecas à arquitetura, o usuário deve despir-se de sua racionalidade e abrir-se sensorialmente, a fim de notar o subconsciente atrelado à fala do partido arquitetônico da obra. Ao fazer isso, o usuário permite ser influenciado de todas as maneiras pelas quais a arquitetura se arma para atuar sobre a vida humana.

Percebe-se então, que a qualidade do ambiente construído está diretamente relacionada à qualidade de vida do usuário. Esse estado, porém, abrange muito mais do que instalações confortáveis, como também o desenvolvimento de um espaço satisfatório para o psicológico humano. Tal influência sob a psique humana só pode ser alcançada, porém, através da influência artística da arquitetura responsável por criar áureas agradáveis e benéficas para o desenvolvimento humano.

É através dessa influência figurada, poética e metafórica que a arquitetura exerce seu poder na alma das pessoas e, consequentemente, consegue um valor artístico, social e psicológico muito maior que o de uma obra de construção civil qualquer. É através do controle pragmático da matéria que o arquiteto consegue moldar o subjetivo.

Portanto, pelo caráter polissêmico e de valor reconhecido da Escola Estadual Gonçalves Dias, é inegável a conclusão de seu valor como obra de arte.

 

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1994. 253 p.

BORGES, H. S. Avaliação de pós-ocupação: estudo de caso da Escola Estadual Gonçalves Dias em Boa Vista – RR, de Severiano Mário de Magalhães Porto. 2016. 83 p. Trabalho de conclusão de curso (Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal de Roraima UFRR), Boa Vista, 2016.

COELHO NETTO, J. Teixeira. A Construção do Sentido na Arquitetura. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2014. 179p.

GEHL, Jan; SVARRE, Birgite. How to Study Public Spaces. Whashington: Islandpress. 2000. 177 p.

GOMBRICH, Ernest H. A História da Arte. 16. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008. 688 p.

GÜNTHER, Hartmut; PINHEIRO, José Q.; GUZZO, Raquel Souza Lobo (orgs.). Psicologia Ambiental: entendendo as relações do homem com seu ambiente. São Paulo: Alínea, 2004.

OKAMOTO, Jun. Percepção Ambiental e Comportamento: visão holística da percepção ambiental na Arquitetura e Comunicação. São Paulo: Mackenzie, 2002. 261 p.

PIAIA, D. Briglia. Arquitetura como arte e a percepção do usuário: um estudo de caso da Escola Estadual Gonçalves Dias, Boa Vista – RR. 2017. 84 p. Trabalho de conclusão de curso (Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal de Roraima UFRR), Boa Vista, 2017.

PIGNATARI, Décio, Semiótica da Arte e da Arquitetura. 4. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. 186 p.

TOLSTÓI, Leon, O que é arte? 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016. 247 p.

WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos fundamentais de História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

ZEVI, Bruno. Saber Ver a Arquitetura. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. 296 p.

Artigo – 2ª Publicação

LUGAR DE MEMÓRIA: O PLANO URBANÍSTICO DE BOA VISTA-RR

Paulina Onofre Ramalho

Boa Vista é a única capital brasileira a situar-se totalmente no hemisfério norte. Localiza-se em uma região de campos abertos à margem direita do rio Branco, tendo sua gênese relacionada à instalação, em 1830, de uma fazenda particular de gado bovino. Em 1858, através de lei provincial, foi estabelecida a Freguesia de Nossa Senhora do Carmo, sediada junto à antiga fazenda. Um dos objetivos deste ato foi fortalecer a presença do Estado na região e afastar qualquer possibilidade de perda deste território para outros países. A freguesia fazia parte do município amazonense de Moura. Anos mais tarde, mais precisamente em 1890, criou-se o município de Boa Vista do Rio Branco, com a freguesia sendo elevada a categoria de Vila (OLIVEIRA, 2003). Mas, esse ato não foi suficiente para incrementar o processo de povoamento da região. Um movimento migratório mais significativo só foi verificado com a criação do Território Federal do Rio Branco (SANTILLI, 1994).

Em 27 de agosto de 1926, de acordo com a Lei estadual nº. 1262, o governador do Amazonas, Ephifânio Ferreira Sales, concedeu foro de cidade à Vila de Boa Vista. O que não contribuiu para a melhoria de suas condições estruturais, que continuaram extremamente precárias. Desse modo, à época da instalação do Território Federal do Rio Branco, em 1943, encontrava-se desarticulada em termos econômicos, políticos e infraestruturais. Sendo assim, elevada à condição de capital do Território, sobre Boa Vista incidiu uma política modernizadora que incluiu a implantação de um plano urbanístico a partir de 1946. A análise desse plano como um lugar de memória, ou seja, um documento do passado instituído a partir da relação entre a História e a memória, será nosso foco. Analisaremos a constituição e formalização de uma memória oficial da cidade que tem como suporte esse lugar em seus aspectos materiais, simbólicos e funcionais.

A IMPLANTAÇÃO DO PLANO URBANÍSTICO

O Território Federal do Rio Branco foi criado oficialmente em 13 de setembro de 1943, através do Decreto-Lei n.° 5.812, sendo posteriormente retificado pelo de n.° 5.839, de 21 do mesmo mês e ano, com território desmembrado do estado do Amazonas. Nesse contexto, o Território Federal do Rio Branco foi alvo da política desenvolvimentista de Getúlio Vargas, a partir do seu projeto de integração, colonização e povoamento, saneamento e proteção das fronteiras, que buscava criar novas condições estruturais, políticas e econômicas, com a consequente dinamização do espaço.

Para propiciar as novas condições tidas como essenciais para o desenvolvimento da Amazônia, o Estado demandou esforços com o intuito de implementar um aparelho administrativo próprio nos territórios, formando uma máquina burocrática. Desse modo, o capitão Ene Garcez dos Reis foi nomeado, em 1944, como governador do Rio Branco. Dentre as políticas que efetuou, destaca-se o novo reordenamento espacial, condizente com o projeto político do Estado Novo, ao implementar um plano urbanístico que procurou dotar a cidade de Boa Vista da infraestrutura necessária à sua condição de centro administrativo e capital do novo território.

A reforma urbanística de Boa Vista foi posta em prática a partir de 1946 pela empresa carioca Riobras, de acordo com um projeto concebido pelo seu proprietário, o engenheiro civil Darcy Aleixo Derenusson, sob as diretrizes de Ene Garcez. O processo de licitação para a elaboração do plano ocorreu em 1944, do qual participaram quatro empresas. Por apresentar preço total mais baixo e menor prazo de execução, a então denominada Firma Darcy A. Derenusson foi contemplada no dia 20 de setembro de 1944.

Depois de assinado o contrato da obra, Derenusson e mais três auxiliares se deslocaram até a cidade de Boa Vista para realizar os estudos necessários para o desenvolvimento do projeto de urbanização. Segundo Derenusson, a cidade por ele encontrada já possuía o Hospital Coronel Motta, a Igreja Matriz e o prédio da Prelazia. Entretanto, a situação geral era problemática, posto que o nível de serviços públicos era precário. Por exemplo, seus aproximadamente 1.800 habitantes circulavam por ruas de terra batida e conviviam com condições habitacionais deficientes, pois havia apenas umas oito casas cobertas de telhas, algumas de zinco e a maioria com tetos de palha de buriti (JORNAL A GAZETA DE RORAIMA, 1991) (Figura 1).

Figura 1 – Cidade de Boa Vista em 1944.

Fonte: Acervo de Darcy Romero Derenusson.
Fonte: Acervo de Darcy Romero Derenusson.

Derenusson, nessa primeira viagem a Boa Vista, passou sete meses fazendo levantamentos sobre as necessidades da futura capital e colhendo informações, diretamente com a comunidade, sobre as carências da população. Além disso, realizou o levantamento topográfico da cidade e, dos estudos in loco, resultaram 1000 plantas que detalhavam a quantidade de materiais necessários a cada obra pretendida. De posse dos dados, Derenusson retornou ao Rio de janeiro e formou uma equipe de técnicos para a elaboração dos projetos de abastecimento de água, geração de energia elétrica, coleta de esgotos e águas pluviais, bem como o Plano Diretor de Urbanismo e o Código de Obras (JORNAL A GAZETA DE RORAIMA, 1991).

Além dos levantamentos, algumas medidas foram importantes para que a implantação do plano seguisse as linhas do projeto de Derenussson. Adotando uma sugestão apresentada pelo próprio Derenusson, o Governo do Território baixou um decreto proibindo que novas construções, de caráter permanente, fossem erigidas antes da conclusão do plano de urbanização. E mais, o Código de Obras estipulava para as edificações, residenciais e comerciais, um número máximo de dois pavimentos e para os terrenos uma área de 15×40/20x40m (JORNAL A GAZETA DE RORAIMA, 1991).

No contexto em questão, o Estado também se valeu de medidas educativas para conseguir adesão à sua política de urbanização, especialmente enfatizando as melhorias que o plano proporcionaria em termos de saúde, educação e transportes, dentre outros. (JORNAL A GAZETA DE RORAIMA, 1991). Além disso, acessou as aspirações pela modernidade presentes na elite3 boavistense, que ressentia-se do provincianismo a que foi relegada durante o governo do estado do Amazonas na região.

AS OBRAS

Embora tenha aventado a construção do plano, Ene Garcez dos Reis não pode acompanhar a sua implantação. Ao cair o Estado Novo, em outubro de 1945, esse administrador foi exonerado, deixando o governo em janeiro de 1946 (MACEDO, 2004). Garcez foi substituído pelo Tenente-coronel Félix Valois de Araújo. Inicia-se nesse período uma grande instabilidade política no território, com os governadores se sucedendo após curto mandato (OLIVEIRA, 1991). Em termos de repercussão para o plano urbanístico, Veras (2009) informa que os governadores subsequentes deram continuidade a sua execução, pois seguiam as diretrizes do Plano Quinquenal de Ene Garcez.
Dada a realidade socioeconômica do Território e as condições de infraestrutura precárias da cidade de Boa Vista, uma série de serviços foi realizada pela empresa Riobras, entre os anos de 1944 a 1946, antes da implantação do plano: levantamento topográfico plani-altimétrico e cadastral da Vila de Boa Vista e arredores, que cobriu uma extensão de 20 km², com a confecção de planta na escala de 1:1000; recenseamento geral da população; estudos socioeconômicos necessários a elaboração do Plano; elaboração do Plano Diretor da cidade; elaboração do plano urbanístico, propriamente dito, com os detalhes para a sua execução; concepção do Código de Obras; projeto de abastecimento de água, inclusive com o detalhamento da captação, adução e rede distribuidora; projeto da rede coletora de esgotos sanitários (separador) e seu detalhamento; projeto de galerias de águas pluviais e seu detalhamento; projeto de energia elétrica e rede distribuidora com detalhamento e; projeto de escolas rurais e residências (REVISTA SELVA, 1950; VERAS, 2009).

No processo de execução das obras do plano, algumas limitações foram observadas no que diz respeito à questão da mão-de-obra e de provimento de materiais. A firma Riobras necessitou contratar trabalhadores advindos das cidades de Manaus, São Paulo e Rio de Janeiro (JORNAL A GAZETA DE RORAIMA, 1991). No tocante aos materiais construtivos, a solução encontrada foi providenciar a construção de uma olaria, situada às margens do rio Branco, ligada a própria Riobras. A olaria passou a fornecer telhas e manilhas de barro, usadas nas obras de esgoto sanitário, e tubos de concreto – até 1m de diâmetro – usados nas galerias de águas pluviais, num total de 400 unidades diárias (REVISTA SELVA, 1950; VERAS, 2009).

Além dos problemas acima mencionados, a efetivação do plano urbanístico foi prejudicada devido à questão orçamentária (VERAS, 2009). Inicialmente previsto para ser posto em prática entre os anos de 1944 a 1950, sua execução adentra pelas décadas seguintes, concretizando-se apenas na década de 1970, causando prejuízos para a população.

SOBRE OS LUGARES DE MEMÓRIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANO URBANÍSTICO

Para Von Simson a memória pode ser entendida como “a capacidade humana de reter fatos e experiências do passado e retransmiti-los às novas gerações por meio de diferentes suportes empíricos” (2004, p. 11). Esta
pode ser individual ou coletiva e, sendo um fenômeno construido coletivamente, é relacional e, como tal, sujeita a mudanças, acomodações e flutuações. Além disso, percebe-se um caráter seletivo na memória, que exclui, aproxima, esquece, relembra, dentre outros (POLLAK, 1992).

Segundo Pollak (1992), os elementos constitutivos da memória são os acontecimentos vividos pessoalmente; em seguida, aqueles vividos por tabela, isto é, vividos pelo grupo ou coletividade ao qual pertence o sujeito que os toma para si; pessoas, personagens (com as quais nem sempre mantivemos contato direto) e os lugares. Os lugares da memória ligam-se a determinadas lembranças, que são importantes para a memória do grupo.

Nora (1993) parte do princípio de que não há mais memória, porém apenas lugares nos quais ela se cristaliza e se refugia. Entretanto, nem tudo que nos foi delegado pelo passado, nem todo objeto que nos trás alguma lembrança pode ser entendido como um lugar de memória. O que distingue os lugares de memória de outros documentos e sinais é a existência simultânea das dimensões materiais, simbólicas e funcionais. Sempre presentes, esses aspectos são os elementos vitais de sua composição. Ademais, um lugar de memória se configura como tal a partir de uma vontade de memória. É essa vontade que se inscreve no cerne de sua origem e respalda as características
que o moldam. Contrariamente, a ausência de uma intenção faz dos lugares de memória apenas lugares de história.

Considerando as discussões tecidas até o momento, acreditamos que o plano urbanístico de Boa Vista se constitui um lugar de memória, pois fundou-se a partir do pressuposto da vontade de memória e apresenta seus
três fatores essenciais (materialidade, simbolismo e funcionalidade).

O traçado do plano urbanístico é radiocêntrico, com uma ampla praça central, sede dos poderes executivo, legislativo e judiciário, a partir da qual partem largas avenidas para o norte, sul e oeste. Derenusson afirmou que foi dele a ideia de traçar as radiais cortadas por perimetrais ligando os vários extremos da cidade. Na concepção do projeto, o epicentro do desenho foi alocado na Praça do Centro Cívico, por ser considerado o centro geométrico de Boa Vista. O respeito ao traçado e as edificações preexistentes se constituiu em uma das premissas básicas a ser observada na elaboração do plano urbanístico. O que resultou, para Derenusson, em uma “Boa Vista com traços urbanísticos modernos sem deixar para trás as suas origens. Minha preocupação foi de não destruir os prédios já existentes e, com isso, destruir a memória de uma cidade” (JORNAL A GAZETA DE RORAIMA, 1991, p. 5).

Embora as preocupações com a memória da cidade fossem expressas, o seu maior referencial foi, de certo modo, desconsiderado: o rio Branco. Sobre a questão, Martins esclarece que:

“Em termos de localização geográfica, o Rio Branco parece ter sido importante referencial para o planejamento da cidade. Isso não implica, contudo, na valorização do rio para a composição desse desenho. Correndo, naquele trecho, no sentido nordeste – sudoeste, o Branco compõe, no plano da cidade, a base a partir da qual a ocupação urbana deveria crescer num sistema radial-concêntrico (…) O novo traçado da cidade previu um importante deslocamento do centro do poder. Representado pelo Prédio da Intendência e localizado à margem do rio, o poder público seria alocado ainda em paralelo ao Rio Branco, mas em terreno mais distante e destinado a compor uma praça central que abrigaria os três poderes (2010, p.1-2).”

Nesse termos o poder (central) se materializava no Território Federal do Rio Branco. Isto é, criando um palco (o plano urbanístico) no qual os seus atores (representantes) encenavam determinada concepção de Brasil (forte, integrado, etc.) (BALANDIER, 1982). Esse fato nos leva a refletir sobre a caracterização do plano como um lugar de memória, ou seja, um documento do passado intencionalmente perpetuado e que apresenta em sua essência a junção de três aspectos (material,simbólico e funcional) (NORA, 1993). Sabemos que:

“no decorrer de sua história toda cidade se enriquece de lugares aos quais pode ser atribuída uma função simbólica, recebida por destinação ou em virtude de algum acontecimento. São os teatros onde se apresentam a sociedade “oficial” e, inversamente os em que se “manifesta” o protesto popular (BALANDIER, 1982, p. 11-12).”

Assim, a elaboração do plano urbanístico ultrapassou as questões meramente técnicas, constituindo-se um lugar privilegiado de referências simbólicas. Algumas das concepções ideológicas subjacentes ao plano foram explicitadas pelo engenheiro Darcy Aleixo Derenusson, em entrevista ao jornal A Gazeta de Roraima em 1991:

“Partindo de um centro gerador, busca os confins do norte de nosso território, irradiando a energia de seu povo, como a protegê-lo, Roraima, guardião do Norte.
Lembrem-se. Na época em que foi projetada a planta da cidade de Boa Vista (1944- 46) estávamos no fim de uma guerra. E já muito antes disso, não poucos olhos gulosos invadiam nossas fronteiras com missões exploradoras e uma variedade de expedientes para se firmarem e ocuparem nossa terra. Mais do que simples radiais, mais do que um simples leque, seria a própria alma brasileira, presente, com o corpo e o coração, para garantir a integridade de nossos limites. É, portanto, o sistema radial o símbolo de união territorial, social, linguístico e ideário do povo brasileiro do Extremo Norte (p. 127-128) (Grifo nosso).”

Percebemos como as discussões que permeavam o cenário brasileiro à época foram significativamente apropriadas durante a formulação do projeto, principalmente o princípio geopolítico de defesa das fronteiras, cuja fragilidade colocava em risco a soberania nacional. Como afirma Derenusson, o leque imbuía-se de um sentimento de brasilidade para além dos aspectos físicos, traduzindo o espírito do homem dessa porção territorial do país. Reforçar, de forma simbólica e material, a presença do estado na região, eis o grande objetivo do plano urbanístico (Figura 2).

Figura 2 – Maquete do Plano Urbanístico de Boa Vista-RR.

Fonte:Acervo de Darcy Romero Derenusson
Fonte:Acervo de Darcy Romero Derenusson

Além de palco para a encenação do poder do Estado, o projeto desenvolvido imbuiu-se de uma proposta de modernização que visava conferir à cidade um aspecto civilizado. Na busca por esse objetivo, o governo do território elaborou medidas que estabelecessem um forte contraste com a realidade anterior, que julgava tenebrosa (CAVALCANTI, 1949), de modo a apresentar-se como um agente progressista e dinâmico. Dentro dessa perspectiva, a cidade velha deveria submergir e, em seu lugar, estabelecer-se uma cidade que representasse os novos tempos. Como nos informa Barros:

A “cidade velha” e lusitana dos tempos da pecuária exclusiva e dos primeiros esforços de mineração remanesceu no declive do terraço ribeirinho, mirando o rio Branco, enquanto o estado federal tratou de construir uma nova cidade na superfície quase perfeitamente plana e monótona, de campos, com horizontes sem fim, em cuja direção iam as vias radiais, e dando as costas aos detalhes caprichosos dos níveis dos terraços ribeirinhos, das sinuosidades das margens do rio, e do verde da floresta ciliar do rio Branco (1995, p,151).

A “cidade velha” e lusitana dos tempos da pecuária exclusiva e dos primeiros esforços de mineração remanesceu no declive do terraço ribeirinho, mirando o rio Branco, enquanto o estado federal tratou de construir uma nova cidade na superfície quase perfeitamente plana e monótona, de campos, com horizontes sem fim, em cuja direção iam as vias radiais, e dando as costas aos detalhes caprichosos dos níveis dos terraços ribeirinhos, das sinuosidades das margens do rio, e do verde da floresta ciliar do rio Branco (1995, p,151).

Figura 3 – Boa Vista e o rio Branco em 1944.

Fonte: Acervo Darcy Romero Derenusson.
Fonte: Acervo Darcy Romero Derenusson.

O projeto do Estado Novo para a Amazônia pautou-se em visões antagônicas como paraíso/inferno verde, atraso/possibilidades infinitas, dentre outras e, a partir delas, formulou políticas que propiciassem o desenvolvimento da região e, consequentemente, a resgatasse da barbárie e a inscrevesse na civilização, irmanado-a à cultura nacional. Muitos meios foram empregados para alcançar essa finalidade, sendo que no Território Federal do Rio Branco esse discurso utilizou-se, também, do ideário urbanista.

No processo civilizador que estava sendo desenvolvido, o controle da ordem social perpassou a vigilância constante das práticas cotidianas. Assim, o governo de Ene Garcez dos Reis é lembrado como duro e ditatorial. Entre suas medidas destacam-se a proibição de reuniões e ajuntamentos, imposição de um horário limite para a circulação na cidade (até às 18 horas) e o castigo severo, à luz do dia, dos ditos arruaceiros. Tal postura era defendida como necessária para impor o poder central em uma terra considerada dominada pelo banditismo e pela falta de justiça. Como instrumento de suas práticas, o governo contava com um contingente de 200 homens armados (OLIVEIRA, 1991; SANTOS, 2004).

Ressaltamos, novamente, que a ideia de modernidade veiculada em Boa Vista ultrapassou as questões relativas à (re)estruturação do seu espaço físico através de um plano urbanístico. Muitos grupos foram excluídos do projeto do plano, nomeadamente os indígenas (OLIVEIRA, 2003).

As esferas políticas federal e local, ao relacionarem indígena com não civilização, reforçaram a defesa da integração dos índios ao projeto de unidade nacional propagado pelo Estado Novo. Desse modo:

com as reformas urbanísticas e a tentativa de ‘embranquecer o índio’, algumas famílias Makuxi, Taurepang e Ingarikó demonstraram resistência à integração na sociedade nacional, e ficaram temerosas com relação às ações violentas dos brancos, deslocando-se para o interior das regiões de lavrados ou serras (OLIVEIRA, 2003,p. 186) (Grifo nosso).

O modo como as questões indígenas foram excluídas da política do plano reforça a percepção de que na constituição e formalização da memória há esquecimentos e silêncios, não-ditos, que podem emergir a partir das brechas, das rupturas e descontinuidades da memória estabelecida (POLLAK, 1989). Assim, não podemos acreditar que as ações estatais foram simplesmente acatadas pela população, visto que uma reportagem do jornal O Átomo, de 1953, denuncia a ingerência problemática do governo em Boa Vista, ao mesmo tempo em que sinaliza com a possibilidade da população recorrer a medidas judiciais contra as desapropriações. Nesse sentido, comungamos com Balandier quando ele afirma que:

O poder estabelecido unicamente sobre a força ou sobre a violência não controlada teria uma existência constantemente ameaçada; o poder exposto debaixo da iluminação exclusiva da razão teria pouca credibilidade. Ele não consegue manter-se nem pelo domínio brutal e nem pela justificação racional. Ele só se realiza e se conserva pela transposição, pela produção de imagens, pela manipulação de símbolos e sua organização em um quadro cerimonial. Estas operações se efetuam de modos variáveis, combináveis, de apresentação da sociedade e de legitimação das posições do governo (1982, p.7).

O cenário descrito até o momento nos remete ao trabalho de enquadramento de memórias coletivas que se processa de modo formal e informal e em diferentes contextos. Como observa Pollak (1992), os rastros do trabalho de enquadramento não constituem apenas os acontecimentos e personagens, mas também os objetos materiais. Desse modo, vislumbramos a implantação do plano da cidade de Boa Vista como um elemento oficial de enquadramento da memória, destinado a fomentar e manter as estruturas sociais e institucionais que estavam sendo alicerçadas.

Apesar da implantação do plano ter sido posta em prática pelos governadores que sucederam Ene Garcez, o traçado foi plenamente ocupado apenas no final dos anos 60 do século passado. No entanto, mesmo as mudanças que foram efetuadas no espaço urbano da cidade a partir do governo militar, que redundou no aumento do plano, “sendo ruas ampliadas e asfaltadas e as praças gramadas e arborizadas” (OLIVEIRA, 2003, p. 188), não desmobilizaram o apelo afetivo e a memória nele estratificada. Ao contrário, ocorreu o que Pollak (1992) denomina como o trabalho da própria memória em si, isto é, a memória passou a operar por si só, de modo
a manter os seus quadros de referência.

Atualmente o plano urbanístico constitui uma parte ínfima de Boa Vista, mas sua importância é inversamente proporcional. Além de concentrar o loco do poder político da capital, é no plano que se agrupam algumas das mais importantes instituições culturais, religiosas e econômicas de Boa Vista. Assim, esse lugar de memória se apresenta em sua plenitude material, simbólica e funcional.

REFERÊNCIAS

ALTERAÇÃO no plano urbanístico. O Átomo, Território Federal do Rio Branco, 05-16 maio. 1953 (2).

BALANDIER, Georges. O poder em cena. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1982.

BARROS, Nilson Cortez Crocia de. Paisagens e Tempo na Amazônia Setentrional: estudo de ocupação pioneira na América do Sul. Recife: Editora Universitária – UFPE. 1995.

CAVALCANTI, José Maria dos Santos Araújo. Recuperação e desenvolvimento do Vale do Rio Branco. 2. ed. Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, Rodrigues & Cia,1949.

JORNAL A GAZETA DE RORAIMA. Edição especial. Boa Vista \ ano 101. Ano X. 09 de Julho de 1991.

MACEDO, Inês Rogélia Dantas. A implantação e a expansão das escolas públicas em Boa Vista na década de quarenta. 2004. 106 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em História Social do Mestrado Interinstitucional UFRJ/UFRR, Rio de Janeiro, 2004.

MARTINS, Elisângela. Memória do regime militar em Roraima. 2010. 187 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2010.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n. 10, dez., p. 07-28, dez. 1993.

OLIVEIRA, Laucides. O Estado. Diretrizes. Boa Vista/Roraima, ano 1, n. 2, Jan./fev. 1991. 38 p. (Edição Histórica).

OLIVEIRA, Rafael da Silva. Do rio ao traçado urbano, e novamente ao rio (alguns apontamentos para pensar a cidade de Boa Vista/RR). Revista Acta Geográfica, ano II, n. 3, p. 93-106, jan./jun. 2008.

OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de. A herança dos descaminhos na formaçãodo Estado de Roraima. 2003. 404 f. Tese (Doutorado em História Social) – Programa de Pós-graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15. 1989. Disponível em:<http: //www.scielo.br/scielo>. Acesso em: 22 de setembro de 2009.

_______________. Memória e identidade social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 5, n.10, p. 200- 212. 1992. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo>.Acesso em: 22 de setembro de 2009.

REVISTA SELVA. Um espelho da vida brasileira. n. 13, 1950.

SANTILLI, Paulo. Roraima: um cenário no início do século XX. In: Fronteiras da República. São Paulo: NHII/FAPESP, 1994. p. 17-37.

SANTOS, Nelvio Paulo. Políticas públicas, economia e poder: o estado de Roraima entre 1970 e 2000. 2004. 270 f. Tese (Doutorado em Ciências) – Desenvolvimento sustentável do trópico húmido, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 2004.

VERAS, Antonio Tolrino de Rezende. A produção do espaço urbano de Boa Vista- Roraima. 2009. 235 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

VON SIMON, Olga R. de Moraes. Memória, cultura e poder na sociedade do esquecimento. Margens: Revista Interdisciplinar do Núcleo de Pesquisa – CUBT/UFPA – Dossiê Memória & Oralidade. Abaetetuba, v. 1, p. 11-16. 2004.

 

Artigo – 1ª Publicação

07/02/2024

A TRÍPLICE FRONTEIRA NO EXTREMO NORTE DO BRASIL:
O FORTE SÃO JOAQUIM DO RIO BRANCO E O INÍCIO DA CAPITAL
DO ESTADO DE RORAIM

Graciete Guerra da Costa

A capital do estado de Roraima, Boa Vista, é a mais setentrional do Brasil: está localizada no extremo Norte do País, a 02° 49’ 12” N e 60° 40’ 19” W, à margem do Rio Branco, perto da tríplice fronteira entre o Brasil, a Venezuela e a Guiana, é a única capital totalmente acima da Linha do Equador. Roraima está numa região de difícil acesso, no espaço amazônico, numa região fronteiriça – o que, no caso brasileiro, representa certa dinâmica de isolamento, uma vez que se insere na periferia do Estado nacional.

A etimologia do nome do Estado denuncia forte presença da cultura indígena: Roraima é formado pelos radicais Roro-imã, que na língua Macuxi significa Monte Verde; para os índios Pemón/Taurepang quer dizer, também, Mãe dos Ventos.

Nos séculos XVI, XVII e XVIII, as terras que constituem o estado de Roraima despertaram a cobiça de holandeses, espanhóis e ingleses. Em 1741, o holandês Nicholas Horstman chegou ao Rio Branco pelo território que hoje é a República da Guiana e desceu o Rio Tacutu, passou pelo Rio Branco, até chegar no Rio Negro, que banha a cidade de Manaus, no Amazonas.

Os espanhóis chegaram ao território de domínio português, depois do Tratado de Madri, em 1750, pela
Venezuela, adentrando a cabeceira do Rio Orinoco e seus afluentes. Na invasão, estabeleceram-se às margens do Rio Uraricoera, que nasce na fronteira do Brasil com a Venezuela, onde fundaram três núcleos populacionais: Santa Rosa, São João Batista de Caya-Caya e Santa Bárbara.

Ao tomar conhecimento das invasões de holandeses e espanhóis, o rei D. José I determinou que se construísse um Forte à margem do Rio Branco. O Forte de São Joaquim do Rio Branco fica localizado no encontro dos rios Tacutu e Uraricoera, que se juntam para formar o Rio Branco. O ponto era estratégico porque o rio Uraricoera serviu de entrada de espanhóis oriundos da Venezuela, e o Tacutu era utilizado pelos holandeses vindos do Suriname para chegar ao Amazonas.

As fortalezas erguidas na Amazônia nos séculos XVII e XVIII representaram a estratégia ibérica a favor de eficientes políticas de defesa. No Mapa do triângulo pode-se constatar essa estratégia de defesa, no arco da fronteira Norte do Brasil.

Figura 1 - Triângulo e os Pilares Mestres da Amazônia no Século XVIII. Fonte: FERREIRA, Viagem Filosófica, 2007.
Figura 1 – Triângulo e os Pilares Mestres da Amazônia no Século XVIII. Fonte: FERREIRA, Viagem Filosófica, 2007.

Do século XVII ao século XX passaram pelas missões amazônicas os capuchinhos, os mercedários, os franciscanos, os carmelitas, os dominicanos e os jesuítas. Para Roraima vieram os carmelitas.

Figura 2: Mapa de Roraima. Tem a localização do Forte de São Joaquim do Rio Branco e das posições espanholas construídas no Uriracoera. A missão do Pirara2 ficou em território inglês após a delimitação da fronteira. Fonte: IPHAN. FORTE SÃO JOAQUIM DO RIO BRANCO – PROCESSO Nº 1504-T-02. Estudo Histórico, Rio de Janeiro, 2011.
Figura 2: Mapa de Roraima. Tem a localização do Forte de São Joaquim do Rio Branco e das posições espanholas construídas no Uriracoera. A missão do Pirara2 ficou em território inglês após a delimitação da fronteira. Fonte: IPHAN. FORTE SÃO JOAQUIM DO RIO BRANCO – PROCESSO Nº 1504-T-02. Estudo Histórico, Rio de Janeiro, 2011.

O Forte de São Joaquim do Rio Branco foi construído, em 1775, pelo alemão Felipe Frederico Sturm, enviado para destruir instalações estrangeiras e garantir a posse da terra; mas o abastecimento do forte, muito isolado, era problema a ser enfrentado, bem como as relações com os indígenas.

 

Figura 3: Planta do Forte São Joaquim, em Roraima, 1787. Fonte: AHEx - Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro.
Figura 3: Planta do Forte São Joaquim, em Roraima, 1787. Fonte: AHEx – Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro.

O forte com seu comandante e seus subordinados seria o instrumento da política portuguesa. Para tanto, os indígenas eram imprescindíveis, tanto na construção quanto na qualidade de exímios conhecedores da região.

Figura 4: Mapa do Rio Branco, em Roraima. Provavelmente trata-se de uma cópia do reconhecimento de Felipe Sturm, de 1775, parece ser a única imagem conhecida da missão Santa Rosa, que aparece como “quartel” e “forte”, situado um pouco acima da junção do rio Uriracoera com o rio Tacutu 3. Fonte: AHEx - Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro.
Figura 4: Mapa do Rio Branco, em Roraima. Provavelmente trata-se de uma cópia do reconhecimento de Felipe Sturm, de 1775, parece ser a única imagem conhecida da missão Santa Rosa, que aparece como “quartel” e “forte”, situado um pouco acima da junção do rio Uriracoera com o rio Tacutu 3. Fonte: AHEx – Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro.
Figura 5: Prospecto da Fortaleza de São Joaquim, situada na margem oriental da foz do Rio Tacutu, na distância de 102 léguas de sua foz. (Codina), p. 265 do Vol. III. Fonte: FERREIRA, 2007.
Figura 5: Prospecto da Fortaleza de São Joaquim, situada na margem oriental da foz do Rio Tacutu, na distância de 102 léguas de sua foz. (Codina), p. 265 do Vol. III. Fonte: FERREIRA, 2007.

Da mesma forma como procedeu em Marabitanas, em 1767, Felipe Sturm situou o Forte São Joaquim do Rio Branco de forma retangular, no eixo de simetria da povoação. Em Marabitanas, no Rio Negro, a forma era quadrada. A escassez de materiais e mão-de-obra fez com que Sturm optasse por construir o forte em pedra. Na falta de cal para fazer a argamassa, utilizou barro na junção das pedras. A construção estilo Vauban fi cou, por esse motivo, menos resistente.

Figura 6: Planta e elevação do Forte São Joaquim do Rio Branco. Desenho a pena, aquarelado por Antonio Landi. Pág. 93 do Vol. II. Fonte: FERREIRA, 2007. Fonte: FERREIRA, 2007.

Figura 6: Planta e elevação do Forte São Joaquim do Rio Branco. Desenho a pena, aquarelado por Antonio Landi. Pág. 93 do Vol. II. Fonte: FERREIRA, 2007. Fonte: FERREIRA, 2007.

Examinando a planta do forte, figura 6, pode-se ver dezesseis canhoneiras. Segundo Adler Homero, dez canhões foram fundidos em outubro de 1763, na capital do Pará, inclusive duas peças de bronze.

O forte era pequeno, tinha cerca de 18 metros em seu lado maior, muralhas baixas (5,4 m) e um reparo. O espaço reservado aos canhões era estreito, de forma que somente canhões pequenos poderiam ser instalados. Sturm pôde construir baluartes plenos na frente, na parte posterior foram feitos meio baluartes.

As instalações para a guarnição do forte eram desconfortáveis, e abrigavam quando muito 15 ou 16 praças. Além das precárias instalações, o forte era vulnerável às águas do rio e inundações, que subiam de 60 a 90 cm nas enchentes.

A Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira durou quase dez anos (1783-1792), e está entre as importantes expedições no Século XVIII à Amazônia Brasileira. Ela descreveu as riquezas naturais e produziu como resultado registros históricos, mapas, plantas arquitetônicas, além de coletas de espécies, muitas ainda desconhecidas por mais de dois séculos. Na visita à região do Forte de São Joaquim do Rio Branco, em 1786, elaborou iconografia, como o Prospecto da Fortaleza de São Joachim; Planta da Fortaleza de S. Joachim; Planta da Capela e Residência do Capelão do Forte de São Joachim. Os desenhos das plantas e das duas vistas do forte foram feitas por Antônio José Landi, arquiteto italiano de Bolonha, que veio ao Brasil em 1753, junto com Felipe Sturm, na Comissão Demarcadora de Limites.

O capitão Sturm morreu em setembro de 1778 e foi sepultado na parte externa do Forte São Joaquim, no terreno que servia de cemitério, fato relembrado por Ribeiro de Sampaio, quando afirmou que a obra havia sido edificada conforme o risco (desenho) do engenheiro, que “[…] que assistiu á ella quasi todo o tempo que durou a execução”.

Em maio de 1822, a guarnição reduziu-se a sete soldados. Quase dez anos depois, em 1831, Baena, no Ensaio Corográfico sobre a Província do Pará, informou que o forte era o mais bem conservado das fronteiras.

O ambiente do Forte São Joaquim do Rio Branco se complicou quando forças militares e o Comissário de Fronteiras, Coronel João Henrique de Matos, foram enviados para tratar com os ingleses.

O isolamento tornava o abastecimento do forte um problema a ser enfrentado, bem como as relações com os indígenas. Para ter alimento era preciso contar com a habilidade do gentio e, ao expulsar e maltratar os indígenas, a  administração portuguesa também eliminava sua fonte de sustento. A solução encontrada por Manoel da Gama Lobo de Almada, em 1789, foi a criação de fazendas de gado para alimentar as pessoas, aproveitando o capim dos lavrados da região. As primeiras reses eram oriundas de Tefé e foram transportadas em barco a remo. Até então, os índios não conheciam o gado bovino.

As Fazendas Reais localizaram-se nas terras firmes do Alto Rio Branco. Nesse contexto, surgiu, em 1830, a primeira fazenda particular, denominada Boa Vista, de propriedade do antigo capitão e comandante do Forte São Joaquim, Inácio Lopes de Magalhães, distando 32 km do referido forte; a fazenda se localizava junto à Freguesia de Nossa Senhora do Carmo, com os primeiros  núcleos familiares e a relevância do indígena no trabalho da pecuária. Em 1850, o povoamento da capitania de São José do Rio Negro foi elevado à categoria de província do Amazonas, estabelecendo a Freguesia de Nossa Senhora do Carmo.

No dia 09 de julho de 1890, pelo Decreto Estadual n. 49, do governador Augusto Ximeno de Villeroy, a freguesia ganhou o status de vila, mas apenas em 1926 a Vila de Boa Vista ganhou o foro de cidade.

A Vila de Boa Vista estabeleceu-se ribeirinha por razões de mobilidade, já que o transporte fluvial era o único meio de acesso e comunicação na província do Amazonas. Através das embarcações é que as mercadorias chegavam ao comércio local. As habitações eram alinhadas em direção ao Rio Branco. Nesse período, a Igreja Matriz Nossa Senhora do Carmo, o Hospital Nossa Senhora de Fátima e a sede da Intendência eram as únicas instituições públicas.

Entre as décadas de 1920 e 1930 a mineração foi introduzida como a nova atividade econômica; a extração de ouro e diamante no Norte de Boa Vista impulsionou a economia local, criando setores de comércio destinado à venda de ouro, mudando assim o cenário urbano.

Em 1924, a expedição do explorador norte-americano Hamilton Rice Jr., que trazia sua equipe em uma chalupa, transportava também um pequeno hidroavião, de sua propriedade. Esse avião foi o primeiro a sobrevoar a região do vale do Rio Branco e a registrar a primeira fotografia aérea da cidade de Boa Vista.

Figura 7 – Primeira fotografia aérea de Boa Vista, 1924. Fonte: Expedição de Hamilton Rice Jr.
Figura 7 – Primeira fotografia aérea de Boa Vista, 1924. Fonte: Expedição de Hamilton Rice Jr.

Essa expedição forneceu iconografia preciosa sob a forma de fotografias aéreas, que apresentaram o aspecto de Boa Vista já no primeiro quartel do século XX: uma cidade com 164 casas simples, população de 1.200 pessoas, composta de brasileiros, portugueses, mestiços, índios e alguns negros oriundos da Guiana Inglesa (hoje República da Guiana).

Nessa época, havia escassez de alimentos como verduras, ovos, frutas e até mesmo leite, por incapacidade de produção, uma vez que o trabalho do homem do campo estava dedicado às atividades extrativistas da balata e da borracha, deixando a agricultura e a pecuária em estado deplorável. Apesar das carências enfrentadas no dia a dia, a população revelava um elevado nível de moralidade e educação doméstica graças à atuação religiosa com professores que exerciam grande influência na cidade.

As maiores expressões arquitetônicas se consubstanciam nas obras ligadas à presença da Igreja Católica: a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo; a Prelazia; a Igreja de São Sebastião, sede da antiga Fazenda Boa Vista; a Intendência, residência do Sr. Antonio Augusto Martins; além delas, destaca se a residência dos fazendeiros Bento Brasil e Adolfo Brasil e algumas poucas edificações em alvenaria de tijolos, poucas residências, sendo o restante em taipa, num total de quarenta e nove casas.

Figura 8: Ruínas do Forte São Joaquim. Fonte: A autora, 2013.
Figura 8: Ruínas do Forte São Joaquim. Fonte: A autora, 2013.

A cidade possuía ordenamento em seu traçado, com três ruas paralelas ao rio Branco e cinco transversais ao longo da baixada em sua orla. No ano de 1943, o munícipio de Boa Vista ganhou autonomia, passando a ser Território Federal do Rio Branco, quando o presidente Getúlio Vargas nomeou o capitão Ene Garcez dos Reis como governador. A malha urbana da cidade restringia-se a cinco avenidas e quatro ruas, formando um trapézio, permanecendo assim até o ano seguinte. A situação da cidade era precária, com poucas casas de alvenaria, a maioria era de taipa coberta de palha. Não havia nenhum prédio que pudesse abrigar a sede do governo; então ele foi instalado na Prelazia do Rio Branco.

Figura 9: Antiga sede da Fazenda Boa Vista. Fonte: A autora, 2020.
Figura 9: Antiga sede da Fazenda Boa Vista. Fonte: A autora, 2020.

A cidade possuía 217 mocambos e 122 casas de alvenaria ou madeira, com a população subnutrida; 100% da população já haviam contraído malária, além de verminose, sífilis, tuberculose, entre outras doenças. A água consumida não era tratada, vinha direto do Rio Branco, que se encontrava poluído pelos dejetos das habitações.

O desenho urbano configurou-se em plano ortogonal, cujo polígono delimitava-se nas Ruas João Pereira de Melo; Getúlio Vargas, Silvio Lofego Botelho e Floriano Peixoto, a última rua caracterizada pela presença do Rio Branco banhando a margem. Esse era o embrião do que viria a se tornar a capital Boa Vista antes da implantação do plano urbanístico.

Figura 10: Mapeamento Urbano – Boa Vista - 1900. Fonte: Acervo da Divisão de Patrimônio Histórico do Estado de Roraima.
Figura 10: Mapeamento Urbano – Boa Vista – 1900. Fonte: Acervo da Divisão de Patrimônio Histórico do Estado de Roraima.

Nesse cenário de calamidade pública, o governador Ene Garcez solicitou ao governo central em seu relatório: saneamento básico para Boa Vista; socorro para a população diante da ocorrência quase endêmica de doenças tropicais; fornecimento de água potável para a população; construção de fossas sépticas e rede de esgoto em Boa Vista e demais povoados; fomento na produção de leite, aves, ovos, hortaliças e frutas em quantidade compatível com as necessidades da população.

Eis alguns dados relevantes para compreensão de como se instalou e desenvolveu esse núcleo que, mais tarde, viria se tornar Boa Vista, a capital do estado de Roraima.

 

REFERÊNCIAS

ALMADA, Manuel da Gama Lobo de. Descrição Relativa ao rio Branco e seu Território [1787]. In: Revista Trimestral do Instituto Histórico e Etnographico do Brasil – Tomo XXIV. Rio de Janeiro, n° 4, 1861, p. 617-683.

BAENA, Antônio Ladislau Monteiro. Ensaio Corográfico sobre a Província do Pará. Brasília: Senado Federal, 2004.

BARROS, Joaquim Pereira de. Plano do Forte de S. Joaquim do Rio Branco, s.d. Mss. Biblioteca Nacional.

 

COSTA, Graciete Guerra da. “As Cidades Amazônicas na América Portuguesa”. In: V Simpósio LusoBrasileiro de Cartografia Histórica, Petrópolis – RJ, 2013.

COSTA, Graciete Guerra da. “Fortificações da Amazônia”. In: NAVIGATOR Nº 20, Rio de Janeiro, 2014.

COSTA, Graciete Guerra da. Fortes Portugueses na Amazônia Brasileira. Tese (Pós-doutorado – IREL/UnB) – Universidade de Brasília, Instituto de Relações Internacionais, Brasília, 2015.

FARAGE, Nádia. As Muralhas dos Sertões: os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; ANPOCS, 1991.

FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem ao Brasil. A Expedição Philosóphica pelas Capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá (3 vols.). Rio de Janeiro: Kapa Editorial, 2007.

IPHAN. FORTE SÃO JOAQUIM DO RIO BRANCO – PROCESSO Nº 1504-T-02. Estudo Histórico, Rio de Janeiro, 2011.

LYRA JUNIOR, Américo Alves de. O Brasil na América: a história das relações internacionais brasileira durante o período de transição entre o Império e a República. Curitiba: Juruá, 2014.

SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Relação Geographica Histórica do Rio Branco da América Portugueza [1777]. In: Revista do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro – Tomo XIII. Rio de Janeiro, n° 18, 1850, p. 251.

SCHWEBEL, João André. Coleção dos prospectos das aldeias e lugares mais notáveis. Reproduzido por MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na era pombalina. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1963.

 

 

 

 

 

 

CAU-RR elege Presidente e Vice-Presidente e Comissões

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Da esquerda para a direita: Conselheiro federal suplente Luiz Afonso Maciel, Cons. titular Rondinelle Albuquerque, Cons. Suplente David Eufrates, Presidente Rodrigo Avila, Cons. suplente Ygor Martins, Cons. Federal Nikson Dias, Cons. Suplente Luciana Nattrodt, Cons. Suplente Max Weber Carvalho, Cons. suplente Sued Trajano, Vice-Presidente Eduardo Marques, Cons. titular Sharonn Torreias.

O Conselho de Arquitetura e urbanismo de Roraima realizou hoje dia 08 de janeiro, sua 107ª Sessão Plenária Ordinária que definiu a nova composição do CAU-RR para o triênio de 2021 à 2023. A sessão contou com a participação dos conselheiros titulares e suplentes, bem como, a participação do conselheiro federal eleito Nikson Dias.

A reunião remota foi conduzida pela conselheira eleita Arquiteta e Urbanista Graciete Guerra Costa.

O arquiteto e urbanista Rodrigo Edson Castro Avila, eleito por unanimidade o novo presidente do CAU-RR e o arquiteto e urbanista Eduardo Oliveira Marques, eleito o vice-presidente. Em outubro de 2020, doze (12) conselheiros, sendo dois (2) federais, um titular e suplentes, e cinco (5) conselheiros estaduais titulares e cinco (5) conselheiros estaduais suplentes eleitos para o triênio de 2021-2023. 

Rodrigo Edson Castro Avila
Presidente do CAU-RR Rodrigo Edson Castro Avila.

O presidente eleito por unanimidade arquiteto e urbanista Rodrigo Edson Castro Avila, é um conselheiro reeleito da gestão anterior que atuou como vice-presidente e coordenou a Comissão de Organização, Finanças, Administração e Planejamento do CAU-RR nos últimos três anos. Dando enfase aos seus trabalhos profissionais nos últimos anos  voltadas as ações de desenvolvimento da Assistência Técnica de  Habitação e Interesses Sociais na América do sul e na Africa. Foi recentemente homenageado pela Câmara Municipal de Boa Vista, por sua belíssima atuação em relação aos refugiados venezuelanos a frente do Engenheiros sem fronteiras. Durante a 107° sessão plenária ordinária fez seu discurso voltado a ações mais atuantes, de forma eficiente, dinâmica e inteligente para propor um melhor atendimento ao profissional, visando a valorização da classe e tendo foco na Assistência Técnica de  Habitação e Interesses Sociais.

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Solenidade de homenagem da Câmara Municipal de Boa Vista.

 

Foi eleito o conselheiro Eduardo de Oliveira Marques para a vice presidência do conselho com  votação também por unanimidade. Arquiteto Urbanista com escritório atuante no mercado, bem como, nas ações voltadas ao exercício profissional dentro do estado.

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Vice-Presidente Arquiteto e Urbanista Eduardo de Oliveira Marques.

Seguindo a pauta foram votadas as composição das Comissões e seus respectivos coordenadores e coordenadores Adjuntos.

COFAP – Comissão de Organização, Finanças, Administração e Planejamento do CAU-RR
– Eduardo Oliveira Marques (coordenador)
– Rondinelle Hudson Pereira de Albuquerque (Coordenador adjunto )
– Sharonn Lorrayne Mendes Torreias

CEPEF – Comissão de Ética, Disciplina, Exercício Profissional, Ensino e Formação
– Graciete Guerra da Costa (Coordenadora )
– Sharonn Lorrayne Mendes Torreias (Coordenadora Adjunta)
– Eduardo Oliveira Marques

CAUERI – Comissão de Politica Profissional, Arquitetônica, Urbana, Ambiental e Relações Institucionais do CAU-RR
– Rondinelle Hudson Pereira de Albuquerque ( Coordenador)
– Graciete Guerra da Costa (Coordenadora Adjunta)
– Eduardo Oliveira Marques

CATHIS – Comissão de Assistência Técnica de Habitação e Interesses Sociais
– Sharonn Lorrayne Mendes Torreias (Coordenadora )
– Graciete Guerra da Costa (Coordenadora adjunta)
– Ygor Martins da Silva

 

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Conselheira Arquiteta e Urbanista Graciete Guerra Costa.

A Construção Civil e a Pandemia

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imagem do instagram @niksondias

Aprendi com Dona Neide Selma – Economista da PUC/GO – nas horas vagas MAMÃE, que a economia é cíclica, pois bem, se assim o é, acreditando ser, notório visto, passamos as análises dos últimos acontecimentos. Ao analisar a vida pregressa econômica do nosso país, percebemos em forma de gráficos uma sequência de ondas, ascendentes e descendentes, picos e depressões sequenciais, como que nunca pudesse sempre crescer tampouco sempre descer, sempre buscando uma estabilidade, uma média, por assim dizer.

Bom, investir no pico é fácil, otimismo carregado de euforia, porém com todos acreditando, mão de obra abundante e cara, matéria prima disponível, alta de preços, concorrência começa a saturar levando todos a decréscimos, em contraponto, enquanto tudo vai de mau a pior, quando o gráfico atinge sua maior depressão, temos queda de preços de insumos e serviços, maior oferta de mão de obra e oportunidades que não surgem durante o otimismo do pico máximo.

Na frieza da racionalidade capitalista, investir na depressão é de fato o mais rentável dos desafios, riscos altos que implicam em rentabilidade maior, investir na construção civil durante a crise é contratar mais por menos, comprar barato e vender melhor, afinal a obra ficará concluída na retomada da economia quando o credito se reestabelece, o índice de confiança sobe e o produto precisa estar disponível para o consumo.

A Construção Civil é a indústria que mais cresce e emprega no Brasil, apesar da Agropecuária segurar nossa balança comercial, essa não emprega como as Construção Civil. Fato é, que os principais créditos carreados de incentivos são os imobiliários (vide CAIXA e BB), sempre que qualquer governo precisa alavancar ou resgatar a economia, pacotes imobiliários são lançados (exemplo: Minha Casa Minha Vida). Se deseja construir e reformar, a hora é agora, enquanto a desconfiança paira, mão de obra barata e disponível, indústria reduzindo margens para sobreviver e mercado se preparando para sair da crise pós pandemia, esteja preparado e com produto na mão #ficaadica.

Nikson DiasArquiteto e Urbanista

QUARENTENA EM DOIS MUNDOS

Por Jorge Romano Netto

Arq. Jorge Romano Netto, Presidente do CAU/RR.
Arq. Jorge Romano Netto, Presidente do CAU/RR.

Muito se fala que depois da covid-19, a humanidade não será mais a mesma. Será? Pelo que estamos vendo, parece que ela está se mostrando a mesma.

Este é um tempo especial, no qual precisamos de serenidade, de esperança, de conforto, de consolo diante de uma doença tão devastadora. Precisávamos de um momento para refletir o tempo que estávamos e ainda estamos vivendo. Um tempo de velocidade, com uma avalanche quase incontrolável de informações. Precisávamos também de um momento, para desacelerar. O COVID=19 veio nos proporcionar essa oportunidade.

Ao mesmo tempo em que paramos e refletimos, vemos que o vírus desnudou, ou melhor, que ele colocou, de forma clara, diante dos nossos olhos a realidade que “teimamos em não ver”.

E o que vemos? Politização do vírus. Parece até que ele virou partido, exploração da doença, para desvios de verbas, superfaturamento de remédios, equipamentos e aparelhos de vital importância para salvar vidas. E o que precisamos num tempo como esse, é união, juntar esforços, para lutar contra um inimigo comum.

É esquisito o clima macabro e desolador mostrado por todas as mídias. Quanto a isso, nada de novo, elas continuam as mesmas, pois as pessoas por trás delas, continuam e vão continuar as mesmas. Na realidade, o que precisávamos de fato, era uma campanha de conscientização que nos trouxesse esperança. Ao contrário, assistimos a todo momento, contagem de mortos, covas escavadas aos milhares e anuncio aquisição de caixões. Um clima de terror, atingindo a parte psicológica das pessoas que estão trancafiadas em suas casas.

Bom, alguns tem casa, outros tem um espaço precário, insalubre, insuficiente para o número de pessoas que “habitam” ali. Juntando baixa estima, escassez, falta de trabalho, falta de perspectiva e com as esperanças demolidas, essas pessoas perdem a imunidade e ficam mais suscetível às doenças.

  O COVID-19 esfregou em nossa cara essa realidade. Também revela que “somos os mesmos e vivemos como os nossos pais” (Bechior).  Mesmo em tempos de pandemia, continuamos (como humanidade) a explorar as situações de calamidade para interesses pessoais.

Nós, como individuo, precisamos pensar sobre esse tempo e aplicar nossos valores morais, espirituais, profissionais e técnicos, assim como os nossos dons e talentos. Temos nossas casas confortáveis, bem iluminada, ventilada, equipada com vários eletrodomésticos, internet, tv fechada, com opções de lazer… ouvimos dizer que a casa é a melhor vacina contra o COVID-19. Para esse mundo com as características citadas. No entanto, precisamos enxergar o outro, aquele que vive no mundo, mas numa realidade completamente diferente.

Ficou muito mais evidente, que temos dois mundos superpostos e paralelos. Um dispõe de infraestrutura de primeiro mundo em contraste com o outro que não dispõe de nada. As habitações do segundo, contrastam com as do primeiro. São denominadas subnormais, sem água, saneamento básico, sem energia e muito menos internet. A única opção, quando tem, é uma tv aberta bombardeando a mente de pessoas que já estão com sua autoestima no chão ainda por cima, assistem atônitas as imagens de covas para terminar de enterrar seus sonhos e se enterrar nelas. Ai questionamos: como podemos dizer que esses tipos de “casas” são vacinas contra o CORONA VIRUS? ou são o lugar de ideal para a proliferação do vírus? Se nossa premissa for a de que quanto mais gente infectada, mais rápido atravessamos a pandemia podemos afirmar que sim, é a vacina. Mas antes de tudo, é o lugar propicio a infecção coletiva.

 Diante disso, qual a nossa ação em relação aos nossos semelhantes? E como profissional da arquitetura, o que podemos fazer em um momento como este? Como podemos nos dispor a ajudar a sociedade, na qual vivemos, a atravessar essa pandemia?

Precisamos de respostas urgentes, porém as ações exclusivas na área da arquitetura e construção não são imediatas. Além do mais, estamos caminhando às cegas. Não sabemos quanto tempo vai durar essa situação. Voamos tateando, tentando achar a saída através das tentativas e erros. Um voo no escuro, pois sabemos muito pouco sobre a doença. Não podemos esquecer quem somos. Fomos formados e treinados para pensar e apresentar soluções.

Sabemos também que somos parte de um grupo multidisciplinar que pensa e trabalha juntos para viabilizar as nossas propostas, por isso a construção da solução é uma obra coletiva que envolve outras profissões.

Estamos diante de um grande desafio. Está em nossas mãos, a possibilidade de promover pelas nossas atribuições e ações, qualidade de vida aos dois mundos citados acima, para que eles se tornem um só, mais justo e mais harmônico. Precisamos dar mais atenção a ATHISAssistência Técnica em Habitações de Interesse Social, para que o segundo mundo esquecido pelo poder público e visto pela maioria dos profissionais como composto por cidadãos de segunda categoria, se torne um nicho de mercado de trabalho e desfrute de qualidade habitacional.

Um discípulo pediu ao seu mestre: Por favos diga-me uma frase que que eu possa usar em qualquer circunstância, para meu consolo. Ao que o sábio respondeu: “TUDO TAMBÉM PASSA. Sua maior dor passa, sua maior tristeza passa, assim como sua maior alegria, também passa”. O CAU-RR–  Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Roraima, vem trazer uma mensagem de esperança para esse momento. É repetir a frase do mestre: “TUDO TAMBÉM PASSA”. E quando passar, estaremos preparados para apertamos as mãos, abraçarmos quando necessário para restabelecermos nossos vínculos. Nosso Estado e nossa cidade terá à sua disposição mais de duzentos arquitetos urbanistas, para transformar seus espaços e suas casas em um verdadeiro lar propicio para termos saúde física, mental, social e psicológica.

Durante a quarentena, estes arquitetos discutiram sobre Plano diretos para termos uma cidade mais justa e desenvolvida, fizeram debates e cursos sobre contratos, sobre meio ambiente, sobre a importância da arquitetura, da casa a cidade, do conforto, da acústica, materiais de construções, móveis, etc. Se prepararam para quando terminar a quarentena, pode servir mais e melhor a nossa sociedade.

Serão novos hábitos, novas manias, mas não podemos esquecer que precisamos uns dos outros, que precisamos da empatia necessária para vivermos em harmonia. Precisamos valorizar a vida em todos os seus aspectos. Para isso tivemos uma formação ampla que atinge várias áreas do conhecimento. Precisamos ser os mesmos, mas com visão diferente.

Arq. Jorge Romano Netto, Presidente do CAU/RR.

 

Boa Vista 25 de Maio de 2020

O Autismo e as Cidades

Por Nikson Dias  

conscientização do autismo no mundo
conscientização do autismo no mundo

Abril é o mês da conscientização do autismo no mundo. Entre várias características e necessidades que cercam o espectro, coloca-se a questão do que nossas cidades têm feito para se tornarem mais inclusivas. Nesta data, é importante para nós arquitetos e urbanistas discutirmos como fazer projetos arquitetônicos, requalificações urbanas e reformas inclusivas para todos.

 

Nossa profissão passa por transformações diárias. Como no caso da pandemia da Covid-19, que transformará a forma de projetar ventilações, fontes de iluminação natural e fluxos de circulação. No caso dos autistas, diversos estudos atestam sua sensibilidade para cores quentes, ruídos agudos, ambientes fechados, comunicação visual confusa e falta de hierarquização dos espaços.

 

Com observação meticulosa e poética, sem preconceitos, é preciso deixar a realidade e o lugar falarem diretamente com o usuário. Privilegiar a experiência, a sensibilidade para com o próximo. Mais do que nunca os projetos de Arquitetura e de Urbanismo devem focar na inclusão pela inserção.

 

O Conselho de Arquitetura e Urbanismo sempre trabalha suas iniciativas com base na Agenda 2030 e nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Destaque-se que a acessibilidade aos autistas está diretamente ligada ao vários desses objetivos:

  • Objetivo 03: Assegurar uma vida saudável e promove o bem estar de todos;
  • Objetivo 09: Construção de infraestruturas resilientes;
  • Objetivo 10: Redução da desigualdade entre as pessoas;
  • Objetivo 11: Tornar cidades e assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis;
  • Objetivo 16: Promover sociedades pacíficas e inclusivas para um desenvolvimento sustentável.

Observando as necessidades especiais que os autistas apresentam diante dos projetos, percebe-se que essas preocupações não beneficiam apenas aqueles que estão no espectro, mas todos os usuários. Qual escola não necessitária de zonas urbanas menos ruidosas? Qual usuário não se sentiria melhor em ambientes hierarquizados, pensados racionalmente por meio de organogramas e fluxogramas? Quem não deseja calçadas conexas ou transportes públicos sem ruídos e aglomeração?

 

Pensar o ambiente construído para os autistas, tanto na escala arquitetônica como na escala urbanística, é um fazer holístico: ao contemplar as necessidades do espectro autista, o arquiteto atinge todos os tipos de usuários. Dos habilidosos àqueles com dificuldades de locomoção; dos surdos aos ouvintes; das crianças aos idosos. Projetos arquitetônicos não podem ser perfunctórios, precisam vim carregados de sensibilidade, inclusão e principalmente respeito aos usuários.

 

O Dia Mundial de Conscientização do Autismo, assim, reforça essa lembrança: que a inclusão esteja todos os dias em nosso trabalho. Afinal, somos todos uma só comunidade!

 

Nikson Dias é pai do Miguel e Conselheiro Federal CAU/BR.

A empregabilidade da arquitetura vernacular no estilo contemporâneo

Arq. Urb. Ygor Martins

Por Ygor Martins*

No Brasil, devido à dimensão continental de terras e quantidade de habitantes, há grande diversidade de características regionais como clima, relevo e vegetação. Destaca-se também a multidiversidade cultural, que revela estilos construtivos, estéticos e culinários. Cada região do Brasil possui a própria identidade que se adaptou ao longo de anos às peculiaridades locais, e assim nasceram características únicas dos povos que habitam determinado espaço, tempo e lugar, ou seja, as características vernaculares.

Elementos vernaculares, ou elementos tradicionais, espelham características típicas da população e região, criando uma imagem honesta do povo e da cultura. A arquitetura vernacular, em consequência, é representada pelos materiais, técnicas, estilos e demais especificidades que representam a população de determinada região. De acordo com Eduardo (s.d) “A chamada arquitetura vernacular está diretamente ligada à percepção de especificidade e de diversidade e diz respeito aos modos de construir em determinadas localidades […] utilizando técnicas passadas de geração em geração.”

Ademais, no campo profissional da arquitetura, técnicas vernaculares são muitas vezes desvalorizadas e não empregadas mesmo quando possam trazer benefícios ao usuário do ambiente. Segundo Sant’Anna (2013), a pouca utilização de métodos construtivos vernaculares por arquitetos e demais profissionais da construção civil promove o antagonismo da população e dos órgãos competentes em relação à empregabilidade, o que gera preocupações quanto à durabilidade e segurança, muitas vezes causadas pelo desconhecimento técnico e não por fatos concretos.

Construções tradicionalmente erigidas por povos locais tendem a ser adaptadas para as características mais relevantes da região, como a temperatura média, a incidência pluvial, a velocidades dos ventos e demais fatores que profissionais da arquitetura levam em consideração quando projetam edifícios. Os métodos tradicionais, portanto, representam formas construtivas que, em geral, garantem o melhor resultado através da utilização de materiais de obtenção local.

Segundo Veloso (1999), as construções vernaculares produzidas sem o auxílio de arquitetos têm, historicamente, apresentado soluções inteligentes para características climáticas em diversas regiões ao redor do mundo, porém este tipo de construção perdeu espaço para o estilo construtivo internacional, baseado em vidro, concreto e aço, em meados do século XX.

Ao contrário do pensamento popular, muitos métodos construtivos vernaculares não são inferiores aos convencionais e, quando bem desenvolvidos, podem prover os mesmos benefícios e onerar menos o construtor. Numa sociedade que corriqueiramente exerce a autoconstrução, a utilização de métodos construtivos menos onerosos e de boa qualidade pode garantir ao cidadão de baixa renda o resultado desejado sem investir em valores altos que, muitas vezes, não dispõe.

De acordo com Eduardo (s.d.), um exemplo de arquitetura vernacular na região norte pode ser encontrado nos povos ribeirinhos que se adaptaram ao relevo e ao clima chuvoso, que promovem o alagamento de grandes áreas, através da construção em palafitas e da utilização de casas flutuantes, demonstrando soluções eficientes para a população tradicional não-indígena. Os métodos construtivos vernaculares se mostram, portanto, como formas adaptadas ao meio e que revelam a sabedoria popular empregada à arquitetura.

A arquitetura vernacular, porém, por decorrência do surgimento através do lento aperfeiçoamento de técnicas e estilo ao longo do tempo, se mostra engessada na forma, o que não permite inovações e aprimoramentos de elementos e, em conjunto com a tradicional utilização de elementos locais, muitas vezes exclusiva, inibe o avanço tecnológico. Para Barda (2007), a arquitetura vernacular não considera a inovação vantajosa e defende que, quando inseridos novos métodos e materiais, o vernáculo se perde e novas tendências tomam seu lugar. O estilo das construções tradicionais é único e imutável, porém a aplicação deste estilo revela resultados variados nas obras.

Cabe a nós, portanto, profissionais e estudiosos da construção, a análise e a experimentação para nos certificarmos que os diversos métodos construtivos que temos à nossa disposição se adequem aos diversos usos e necessidades que precisamos suprir. Em posse de dados que nos permitam especificar as técnicas mais adequadas aos nossos objetos, obtemos resultados de qualidade, com custos reduzidos e preservamos das características culturais da região. Respeitar as peculiaridades regionais, otimizar processos construtivos e garantir o conforto nas nossas obras são conceitos que devemos perseguir sempre. Esse é nosso papel.

*Arquiteto e urbanista formado pela Universidade Federal de Roraima (UFRR); conselheiro suplente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Roraima (CAU/RR).

 

REFERÊNCIAS:

EDUARDO, Agno et al. A Arquitetura Vernacular das 5 Regiões Brasileiras. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul–UFMS, p. 1-19.

SANT’ANNA, Marcia. Arquitetura popular: espaços e saberes. Políticas Culturais em Revista, v. 6, n. 2, p. 40-63, 2014.

VELOSO, Maísa. Adequação da Arquitetura a climas quente e seco: o caso da Arquitetura vernacular do sertão nordestino. 1999.

BARDA, Marisa. A importância da arquitetura vernacular e dos traçados históricos para a cidade contemporânea. 2007. 154 f. Dissertação (Mestrado – Área de Concentração: História e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.