O que é ser Arquiteto?

Conselheiro Nikson Oliveira

Por Nikson Dias de Oliveira*

Pode até parecer acaso, mas não é. Tudo se encaminha a um propósito, isso para quem acredita no futuro moldado ao pré-determinado. Eu acredito no realizável, desde que se deseje, lute e busque o alcance da meta sonhada.

Repentinamente nos deparamos com o universo de atividades que necessitam de ideias, decisões, análises, ponderações e, pelo incrível que pareça, dos sentidos mais primitivos, mesmo que possa contrariar o mundo.

Ser arquiteto é pensar nos espaços habitáveis e não habitáveis, nos fluxos de energia e de pessoas. Ser arquiteto é ser sonhador, o mago que transforma esses sonhos em realidade. Igualmente, ser arquiteto é saber do ideal e conviver com as mazelas impostas pela vida moderna, conhecer a teoria do bem-viver e tentar expressar tudo em forma de projeto e, num futuro próximo, ver a ideia distorcida, anarquizada e desordenada – cruel destino de cidades planejadas como Brasília e outras que foram propostas para demandas e propósitos e depois deturpadas no uso e aplicação pelos usuários.

O arquiteto é o malabarista de ideias, o mentor de sonhos alheios, o detentor das ferramentas capazes de administrar as economias da vida desconhecida e, ainda, converter em moradia o lar ou em qualquer materialidade desejada nos planos de trabalho onde se possa viver, trabalhar, descansar e se divertir.

Provavelmente estereótipos podem ser formados, com fragmentos de verdade ou ilusão, mas o que seria da humanidade sem as possíveis soluções ou as prováveis ideias se não fossem as perguntas? Que sentido fariam as respostas se a necessidade do bem viver não existisse? Que sentido faria o arquiteto sem as ideias protótipos?

Para os criacionista Deus é o arquiteto do universo, criou o mundo e tudo que nele há. Para os evolucionistas tudo é mutável e evolui conforme a arquitetura das partículas, se adaptam conforme os espaços que vivem. Pois bem, não quero dizer que somos deuses e detemos o conhecimento que altera ou rege as evoluções. Quero afirmar categoricamente que se o indivíduo é criativo, questiona a forma de viver ou tem sentimentos pela forma do homem usar os espaços. Esta afirmação é forte candidata a imprimir o “ser arquiteto”.

Lembro bem da vez me questionaram em sala de aula: – Professor, em que área de conhecimento se enquadrava o Curso de Arquitetura e Urbanismo? Certamente é difícil a pergunta, mas ao ponderar o que realmente o arquiteto promove, cheguei à conclusão exata e explicarei como exemplo certo casal com dois filhos que solicita o planejamento da residência. Casa esta que servirá de abrigo, lar de paz e concórdia. Assim, começa a entrevista a fim de conhecer os moradores: o que gostam? Como se comportam? Hobbys? Como se vestem? Costumes diurnos e noturnos? Hábitos culturais e religiosos? Tudo para entender como o cliente deseja se sentir na própria casa – neste momento o casal despeja todos os sonhos, dos mais audaciosos aos mais básicos. Sugerem cor e dimensões de arquitetura. Neste momento, o profissional põe o lado da psicologia para funcionar, além de ser mediador para que não haja conflito entre o tamanho da cozinha e a quantidade de vagas na garagem; entre o depósito para guardar as “tralhas bagunçadas” do marido e o lugar onde serão guardadas as quantidades de sapatos da esposa. Onde organizar tudo isso? Bom, até aqui, tratamos das ciências humanas.

Passemos para outro momento. Ao iniciar os esboços, croquis, volumes e formas, o arquiteto precisa dimensionar os espaços, analisar a ergonomia, testar a acessibilidade, os raios de aberturas das portas, a altura do pé-direito, tamanho de escada e altura dos degraus, larguras dos patamares, inclinações de rampas e telhados, acesso de serviços, acesso social, fluxograma, funciono-grama, organograma, layout, circulações, instalações hidro-sanitárias, instalações elétricas, sistema estrutural a ser aplicado. Ufa! É muita coisa. Daí, concluiu-se que estamos tratando de ciências exatas, não resta incertezas.

Noutro passo, como ainda não foi dado início ao projeto, precisamos caminhar mais adiante, desta vez, na análise morfológica e lógica da residência. E aí que entra o estudo do terreno – topografia, vegetação existente, posição em relação aos ventos predominantes e como utilizá-los e captá-los. Outra análise é sobre carta solar a fim de setorizar os ambientes e as respectivas posições, os locais onde se deseja a incidência solar, bem como onde não se deseja. Ainda, verificamos as intervenções de proteções vegetais ou artificiais para melhor aproveitamento térmico e acústico. Outro estudo é a inserção do paisagismo na concepção residencial, uma vez que para a produção da fotossíntese a planta necessita do sol ou mesmo a análise das árvores com grandes raízes, pois elas podem danificar as instalações hidro sanitárias. Em contraponto, em nossa cidade a sombra da árvore é vital para lazer e o bem-estar térmico, daí surge o valor da cobertura vegetal para promoção de sensação natural e conforto ambiental. Bom, estamos tratando da aplicação das ciências biológicas.

O conceito de arquitetura e o ser arquiteto advém do turbilhão de ideias e análises. A conclusão que chego para responder à pergunta feita em sala de aula pelo aluno, é que a arquitetura perpassa pelos conceitos das ciências humanas, exatas, biológicas ou misto de tudo isso atrelado à arte. Sem dúvidas, a arquitetura se faz, refaz e transpassa os estudos multidisciplinares, por isso jamais chegaremos ao conceito finalizado. Então se eu pudesse classificar em que ciência se aplica a arquitetura diria: Ciência Universal.

Tudo parte do princípio idealizador. Cada ideia é fagulha e centelha que por probabilidade remota pode tornar traço em realidade. O turbilhão de ideias precisa ser organizado, ordenado e questionado, tudo de forma disciplinada para se chegar ao projeto – a prova de fogo do arquiteto!

Em resumo, ser arquiteto é ser ordenador de ideias, transformador de sentimentos, materializador de possibilidades. É ser o construtor da cidade. Ser arquiteto é dar uso aos espaços públicos e privados. Quando você olha crianças brincando na praça ou pessoas indo e vindo nas vias da cidade, ali está o trabalho do realizador de sonhos – o arquiteto e urbanista.

* Arquiteto e urbanista, engenheiro de segurança do trabalho, professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Conselheiro do Conselho de Arquitetos e Urbanistas de Roraima (CAU/RR).

Os desafios do arquiteto

 Jorge Romano

 Por Jorge Romano Netto*

Fazer arquitetura é ir além do projeto. Esse é o grande desafio do arquiteto. A arquitetura entendida como a arte de abrigar as atividades humanas, deve levar em consideração aspectos e elementos subjetivos que norteiam o movimento da sociedade, tanto no nível coletivo como no pessoal.

Para iniciar o projeto, o arquiteto se depara com desafios semelhantes ao do escritor diante da folha (ou tela) em branco. Todas as letras, formas, cores e texturas estão ali adormecidas. A pena é quem vai de forma sutil, despertar o volume e as formas. Mas para orientar essas escolhas, o arquiteto tem como premissa, o terreno e a topografia, o briefing (programa de necessidades), as leis municipais e federais (Plano Diretor, Código de Obras, Normas, etc.) e a disponibilidade financeira de quem encomenda o projeto. Estes são apenas parâmetros para nortear o processo e indicar que o uso e a ocupação adequados para a área, na qual será implantada a obra. Até aqui o desafio pode ser resolvido por meio de técnicas e metodologias específicas.

Porém, para ir além do projeto, o arquiteto tem que levar em consideração a necessidade e o sonho. A proposta escolhida deve equilibrar esses dois polos e aproximar a obra do sonho, contemplando todas as necessidades.

Pensemos: o que é uma casa? Se acharmos que ela é apenas o edifício destinado a moradia, qualquer pessoa que domine a técnica, pode “desenhá-la”. Mas se aprofundarmos o conceito e entendermos que a casa é algo além de moradia, vamos descobrir que ela tem características subjetivas e específicas para cada pessoa ou família. Ela é o lugar para onde se vai depois de um dia de trabalho, quando o cansaço vem. Por isso tem que promover a alegria de voltar para o lar. É o espaço de repouso e descaso. Nos horários de ócio, a casa deve ser o ambiente de refrigério, encontro de amigos, familiar e lazer, enfim, ambiente propício para recarregar as baterias e encarar nova batalha no dia seguinte.

Ir além do desenho (do projeto), além de ser desafio é de grande responsabilidade. Pois a maneira de viver de cada família com as manias, hábitos, costumes, sonhos e, também, as economias estão postas diante do projetista de maneira invisível. Esses elementos são abstratos. O arquiteto se torna sonhador que sonha junto com o cliente e cria a ferramenta com a qual ele vai transformar o projeto em realidade. Deve existir relação de confiança e intimidade entre o arquiteto e o cliente para que tudo seja bem interpretado e, ao final, a casa seja a “cara” do dono.

Na prática não é bem assim. A arquitetura ainda é vista com desconfiança por grande parte da sociedade. Existem pessoas que acham que o projeto é artigo de luxo. Não sabem que projetar é pensar antes. É colocar na linha do tempo cada etapa e o quanto custará ao final. Isso possibilita ao cliente a programação físico financeira.

Além da falta de conhecimento por parte da sociedade, os profissionais sérios, sofrem concorrências desleais de sites e revistas que oferecem projetos prontos aos desavisados que os adquirem por preços aparentemente módicos e criam com isso a banalização do exercício profissional, o que contraria os princípios éticos e legais. Existem também os que procuram desenhistas, técnicos de nível médio ou estudantes que não tem consciência do papel técnico e praticam o exercício ilegal da profissão. A grande maioria não é penalizada pelos conselhos, pois escondem-se abaixo da caneta dos “caneteiros”, que são profissionais que assinam os projetos, respaldando legalmente os infratores. É como se o cirurgião se responsabilizasse por cirurgias realizada pelo técnico de enfermagem.

Ao “comprar” o projeto pronto o cliente está desperdiçando a oportunidade de personalizar o futuro lar. De fazer algo dentro da realidade sócio financeira, compatível com o terreno, integração ao entorno, dentro da legislação municipal e com ambientes bem iluminados e ventilados naturalmente, situação que contribui para a economia de energia, proporciona satisfação, prazer, sociabilidade e saúde.

Por isso a arquitetura deve ir além do projeto. Ela não é só escolha de formas bonitas, cores da moda, texturas interessantes. Ela é a materialização do sonho que revela o tempo e o espaço dos que as produzem. Ela também tem a obrigação de ser confortável, agradável e BELA.

O arquiteto é o profissional que teve no mínimo cinco anos de estudo, aprendendo a projetar. Com estudos multidisciplinares que vão de matemática; cálculo; sociologia; economia; direito urbano; planejamento urbano e conforto ambiental; estudos que passeiam por vários temas que vão da residência, passam pelo edifício comercial, industrial, hoteleiro, hospitalares, etc. Na escala urbana se estuda a residência, a quadra, o bairro e a cidade.

A escola procura desenvolver a consciência crítica e criativa no futuro profissional. Àqueles que praticam indevidamente o ofício de projetar, não passou por tudo o que foi dito até aqui. É inconfundível e incomparável o projeto do legítimo arquiteto. Até os leigos sabem diferenciar o projeto feito por arquiteto dos feitos por outro “profissional”.

Os que procuram outros profissionais, o fazem equivocadamente. Economizam no valor do projeto, porém, gastam mais na construção. E na hora de vender o imóvel, aquela “economia”, não agrega valor. Por isso e muito mais que o trabalho do arquiteto deve e tem que ser valorizado. Foram muitas noites sem dormir, fazendo os trabalhos da faculdade, os livros comprados para adquirir mais conhecimento, as viagens e toda a dedicação à profissão devem ser postos na balança.

A formação do arquiteto e urbanista legítimo é complexa. Não é à toa que se trabalha com arquitetura. Se a casa é bonita, o bairro é bonito, a cidade é bonita, é porque existe o trabalho do arquiteto e urbanista. Por isso a sociedade deve ser informada da relevância do trabalho desse profissional para também valorizá-lo. Porque somente o arquiteto de verdade vai além do projeto.

*Profissional arquiteto e urbanista, conselheiro suplente do Conselho e Arquitetura e Urbanismo de Roraima e cidadão.

 

 

Prêmio da Unesco: oportunidade histórica para o Rio

Sydnei Menezes

A exuberância da natureza é o mais eloquente signo da vocação da cidade do Rio de Janeiro para a beleza, mas ao mesmo tempo sempre representou um desafio: fazer a arquitetura estar em comunhão com a paisagem e impedir que o crescimento urbano seja feito de forma desordenada e com elevado custo socioambiental. Neste contexto, o prêmio recém-conferido pela Unesco — de Patrimônio Mundial como Paisagem Cultural da Humanidade — é uma oportunidade histórica que o Rio precisa aproveitar, seja para corrigir desvios e erros do passado, seja para ampliar o seu potencial paisagístico.

O título dado à cidade reconhece não só a beleza natural, sob o ponto de vista urbanístico, ou seja, a inserção do ambiente construído no ambiente natural, mas também a valorização paisagística, de suas áreas verdes e também históricas.

O resultado do trabalho desenvolvido pelo grupo de técnicos que se dedicou à tarefa de preparar a candidatura do Rio foi extraordinário, pois estabeleceu uma parceria afinada entre as diferentes esferas de governo. O esforço conjunto, que começou em 2009, possibilitou e garantiu um reconhecimento fantástico para a cidade. Porém, é preciso haver continuidade com efetivas ações do poder público. Uma nova equação, de maneira diferenciada, precisará prevalecer, já que alguns dos locais ‘reconhecidos’ pertencem à União, ao Estado e ao Município.

A criação de um novo modelo de manutenção especial e diferenciado, com autonomia e gestão própria — com a responsabilidade e tutela dessas áreas garantindo um alinhamento das três esferas de poder —, possibilitará o surgimento das condições adequadas e necessárias à conservação e manutenção paisagística, sendo portanto responsabilidade de todos.

Nossa sugestão é de que seja montada uma estrutura de trabalho para supervalorizar estes locais da cidade, que deverão estar devidamente preparados para os cidadãos do mundo poderem usufruí-los da melhor forma. Essas áreas requerem um somatório de responsabilidades de gestão pública diferenciada, cuja tutela deve estar a cargo de órgãos alinhados às atuais demandas por crescimento sustentável — pois se trata de parques urbanos e naturais, unidades de conservação ambiental, proteção do patrimônio histórico e arquitetônico e, por fim, quaisquer áreas de especial interesse urbanístico.

Estamos falando do reconhecimento internacional da paisagem carioca sob o ponto de vista estético e, também, de sua funcionalidade — constituída a partir da relação cultural entre a paisagem e a população. Como se vê, estão criadas as condições para utilizar a recém-premiada Paisagem Cultural da Humanidade como instrumento de sustentabilidade urbana e socioambiental. O direito à qualidade de vida urbana, paisagística e ambiental passa a ser um dever governamental de todas as esferas, sendo na prática uma ação de política pública destinada a cuidar, revitalizar e potencializar seu uso pela população carioca, fluminense, brasileira e estrangeira. Esta é uma oportunidade para ousar e abusar do cenário, genuinamente carioca. Um diferencial do Rio de Janeiro.

Os desafios que se apresentam a partir de agora são: para o poder público, investir na melhoria dessas áreas, através da implantação e/ou recuperação plena dos projetos paisagísticos, dentro da escala de uma nova urbanidade; para os arquitetos urbanistas, aprimorar suas ações projetuais incorporando os novos projetos, de forma sustentável, ao ambiente natural da Cidade.

O título já nos era devido, só não era reconhecido oficialmente. Agora, foi outorgado por direito. A cidade do Rio de Janeiro merece!

* Sydnei Menezes é presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro – CAU/RJ